Onde está a arte em Ouro Preto?
Um retrato de pintores ouro-pretanos
Por: Edimar de Jesus e Isadora Souza
Ouro Preto destaca-se, dentre outras características, pelo enorme potencial artístico cultural relacionado a seus espaços como museus, galerias e as próprias ruas da cidade, onde a arte está presente nos pequenos detalhes. Nesse cenário, as artes plásticas ganham vida pelas mãos de artistas locais e são amplamente apresentadas ao público em exposições, galerias ou pelas ruas, pátios e esquinas do município, onde conta-se histórias e demonstra-se a conexão entre a arte e a cidade.
Percorrer o retrato artístico de Ouro Preto, pelas artes em suas mais diversas expressões, é um mergulho na cultura ouro-pretana. O pesquisador e chefe do Departamento de Museologia da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), Célio Macedo, explica como ocorreu, inicialmente, o processo de instauração das artes plásticas na cidade ouro-pretana. “A presença de muitos e significativos artistas do modernismo artístico brasileiro que transitam ou mesmo se fixam na cidade, abrindo ateliês e mesmo ensinando e inspirando aos moradores o gosto pelas artes plásticas, possibilitou a geração de artistas plásticos locais, criando e recriando os aspectos pitorescos do casario, das igrejas, pontes e chafarizes, em suas pinturas a óleo, desenhos e aquarelas, que alimentarão uma rede de comércio artístico bem forte na cidade”, afirma.
Artistas ilustres como Carlos Bracher, Nello Nuno, Ivan Marquete e Alberto da Veiga Guignard foram alguns dos que passaram por Ouro Preto, deixando sua marca eternizada nas expressões artísticas da cidade. A partir da influência desses pintores considerados referência, jovens artistas ouro-pretanos que se interessavam pelas artes plásticas, começaram a desenvolver seus próprios estilos e produzir obras artísticas, carregadas por aspectos particulares da cidade ouropretana como a arquitetura colonial e a existência de igrejas barrocas.
“A cidade de Ouro Preto é um grande pólo irradiador de cultura e de arte pelo seu legado e tradicionalmente proporciona programações culturais anuais”, afirma o colaborador da Fundação de Arte de Ouro Preto (FAOP) Cezar Teixeira, para quem esse fato agrega positivamente a disseminação artística contemporânea do município.
Porém, apesar do panorama artístico nato da cidade, o apoio a artistas locais não parece uma realidade, segundo os artistas Paulo Valadares e Francisco Olímpio. “Ouro Preto tem uma desvantagem, você não tem o apoio de algum órgão do governo da Prefeitura que te dá um meio de viver da pintura, você tem que se virar nos trinta, você mesmo tem que desenhar pintar e comercializar seus quadros”, afirma Paulo. Já Francisco afirma: “Eu estou aqui (na rua), porque não tive a oportunidade de ter um lugarzinho para expor meu trabalho, onde corri atrás muitas vezes e não consegui”.
Dessa maneira, considerando as dificuldades enfrentadas por eles ao longo de suas carreiras, como a falta de promoção de suas obras e a não disponibilização de locais próprios para a exposição, a vivência artística para pintores da cidade carece de incentivo e fomento do Governo Municipal. Assim, é necessário um trabalho de valorização e visibilidade por parte do poder público que evidencie a importância dessas artes plásticas para a manutenção da identidade artística do município.
A arte na galeria
Paulo Valadares
Paulo Valadares
O artista plástico Paulo Valadares é um simpático senhor de 74 anos, ouro-pretano que divide seu aniversário com sua cidade natal “Eu sou tão ouro-pretano que nasci no dia 8 de julho” afirma o pintor.
Com uma carreira de 60 anos nas artes plásticas, Paulo conta que seu dom nasceu com ele e expressou-se, primeiramente, por desenhos, sem qualquer formação acadêmica ou formal, o artista gosta de dizer que veio de berço todo o talento.
Sendo autodidata, o pintor traz detalhes técnicos em suas obras de cair o queixo, é fácil perder a noção do tempo admirando suas obras. Assim, a partir do emprego de texturas em suas obras, Paulo traz o aspecto envelhecido característico da arquitetura barroca, além de utilizar de texturas para trazer a realidade retratada.
O artista recebeu seu dom em um domingo de ressurreição, data em que os católicos comemoram a Páscoa. Ao presenciar as festividades com seus pais pelas ruas de Ouro Preto, viu pela primeira vez os panos estendidos nas janelas das casas, e se encantou, vista essa que foi a primeira que desenhou, e mais tarde se transformou em sua primeira assinatura.
O pintor nem sempre viveu exclusivamente da arte, apenas depois que uma figura importante em sua trajetória o ajudou a dar o pontapé inicial em sua carreira. Aos 16 anos, o pintor trabalhava em uma mercearia, quando seu médico na época, Dr. Geraldo, questionou-o sobre ser um artista mas estar trabalhando em um balcão. Paulo explicou que trabalhava para se manter e recebeu uma resposta inesperada de Geraldo. “E ele me falou de jeito nenhum. Você vai continuar pintando você já pinta bem você já pode tirar muito mais que um salário” Aí ele me deu um cheque de um salário e pediu para eu sair naquele momento, e eu saí e fui pintar” contou Paulo.
O ouro-pretano sempre teve apoio da sua família na profissão e contou que isso fez toda diferença em sua trajetória. A profissão que escolheu o possibilitou pagar os estudos e proporcionar experiências como intercâmbio e viagens para seus filhos, “formei meus filhos com a arte e vivo da arte, meu filho formou no caso engenharia e minha filha farmácia, a arte me deu oportunidade de dar a eles intercâmbios essas coisas”
“No princípio, na verdade meu atelier era na rua assim sabe? Eu tinha assim os pontos era São Francisco de Paula, de Assis e Pilar, aí depois dali foi aos pouquinhos entrando para dentro do ateliê, esse é meu sexto ateliê.” afirmou o pintor. Paulo conquistou seu ateliê após trabalhar na rua por alguns anos, e ressalta que foi um privilégio conseguir acessar esse espaço. Apesar de ainda desenhar o esboço de suas obras pelas ruas de Ouro Preto, o artista se sente orgulhoso de ter batalhado e conseguido realizar seu sonho de possuir seu próprio espaço.
Dificuldades
Apesar do município propiciar movimentos artísticos com sua beleza, e incitar a arte, o apoio aos artistas não é uma realidade, segundo Paulo. “Ouro Preto tem uma desvantagem, você não tem o apoio de algum órgão do governo, da prefeitura que te dá um meio de viver da pintura, você tem que se 'virar nos trinta', você mesmo tem que desenhar, pintar e comercializar seus quadros” conta o artista.
Paulo pinta todos os dias há 60 anos e diz que a arte ocupa 99% da sua vida. Para ele, não há prazer melhor. Com uma vida toda rodeado de pincéis e tintas, ainda exibe um contagiante brilho nos olhos a cada palavra dita sobre a arte.
A cidade da arte
Os espaços de Ouro Preto
Entre sorrisos e pinceladas, o artista conta que o conteúdo principal de suas obras é a linda cidade de Ouro Preto, que o inspira a cada esquina. Para Paulo, a beleza do município exige ser retratada, e há um pouco mais de meio século sua musa é a mesma. “É uma cidade artística, é um museu de céu aberto uma galeria a céu aberto" afirma o pintor.
O pintor dá vida aos morros, becos, vielas, vistas, construções barrocas, igrejas e paisagens naturais da cidade em suas obras e diz que não se lembra de ter repetido alguma pintura em todos esses anos. Sua relação com o espaço que retrata é íntima e fiel, já que tem uma grande influência impressionista em seus quadros, e desse modo está sempre no local que decide pintar.. “Eu gosto na hora que eu vejo o quadro pronto eu olho vou no local com ele olho pro local olho pro quadro falo assim vc está dando 0 a 10 o quadro tá tão vivo tão cheio de vida” conta Paulo.
Inspiração
Paulo conta que a cidade sempre esteve repleta de artistas, um deles o famoso pintor brasileiro Alberto da Veiga Guignard que ficou famoso por retratar paisagens mineiras. Guignard, que veio a Ouro Preto para pintar as belas paisagens, apaixonou-se pelo local, que chamava de “cidade amor inspiração”, e nunca mais foi embora.
“Eu me inspirei no princípio no Guignard que esteve aqui na minha infância no Estêvão, que esteve aqui na minha infância, eles foram uma fonte de inspiração para eu começar na minha pintura, sem contar … muitos outros artistas que tinham na cidade, eu estava sempre em volta deles vendo eles pintar” conta Paulo. A atmosfera artística de Ouro Preto, colabora fortemente para a disseminação da arte, uma relação mútua se constrói e a cidade e a arte se retroalimentam, produzindo o visível fenômeno cultural.
PAULO - FALAS ADICIONAIS
NA RUA TAMBÉM HÁ ARTE...
FRANCISCO OLÍMPIO
"A arte é uma terapia, tanto que quando você começa a pintar um quadro esquece tudo que está a seu lado"
Francisco é um artista ouro-pretano que vive intensamente a arte plástica no seu dia a dia. Desde a década de 80 ele materializa suas aspirações artísticas em quadros a óleo e aquarelas pelos espaços de Ouro Preto. Ele conta que desde sempre teve apreço pela arte da pintura, e, com um pouco de vaidade que sua posição de artista lhe confere " afirma,“ como já eu era bom e achava aquilo bom, comprei um tela e comecei a pintar”.
Francisco é casado, possui dois filhos, é aposentado e metalúrgico de profissão. Tinha todos os requisitos para ter uma rotina de vida pacata e estável, exceto por um detalhe: sua identificação pela pintura.
Ainda quando exercia sua antiga profissão de metalúrgico, ele dedicava algum tempo para dar vida a seus quadros. Francisco lembra que aproveitava os aprendizados da profissão para aplicar nas técnicas de pintura. Nesse meio tempo também, o artista começou seu interesse pelas aquarelas, prática que exerce até os dias atuais no espaço da Igreja Nossa Senhora do Pilar, localizada na cidade ouro-pretana “meu cantinho sempre foi esse aqui” lembra ele. Quem frequenta a igreja se depara com suas aquarelas expostas ao longo da rua.
Apesar da identificação e ligação com o espaço onde atualmente exibe suas obras, Francisco lembra que já expôs em três ateliês diferentes, entretanto, devido ao aumento dos preços dos aluguéis, foi forçado a abandonar os locais para procurar outros espaços. “Eu estou aqui, porque não tive a oportunidade de ter um lugarzinho para expor meu trabalho, onde corri atrás muitas vezes e não consegui”, lembra.
O artista, ao olhar para suas produções artísticas, afirma orgulhoso que todo mundo adquire suas obras, desde turistas a moradores locais. “Tenho quadro meu na Holanda, EUA, Inglaterra…aquarela minha em tudo que é lugar do mundo” recorda.
Aquarela produzida por Francisco
Francisco reconhece que o fato de estar em uma cidade como Ouro Preto impulsiona a prática das artes dos artistas locais.
Só que infelizmente, essa realidade artística esconde outra. Na visão do pintor, a falta de apoio e incentivo público afeta os artistas plásticos ouro-pretanos. Esse cenário, de acordo com Francisco, ocasiona o adoecimento psicológico de vários artistas da cidade, pois muitos deles impossibilitados de apresentarem os próprios trabalhos por falta de espaços adequados, acabam ficando reclusos em casa.
Como qualquer outro artista, Francisco tem suas inspirações e suas referências. Em relação à primeira, ele declara que vem das coisas antigas: casarões, carroças sendo puxadas por burros, fogão de lenha, madeira, elementos constantes em suas obras de arte. A modernidade em suas pinturas não o atrai, preferindo retratar detalhes mais antigos da cidade ouro-pretana. Para ele, são detalhes que estão na alma do artista e podem ser revelados através de poucas pinceladas. Já como referência, Francisco conta que sua maior inspiração é Milton Passos, também artista plástico de Ouro Preto, por causa dos impactos das obras e do incentivo dado pelo mestre na vida dele.
A finalização de uma obra representa para Francisco o momento mais importante na relação entre o artista e a arte.
Da mesma forma, a percepção de uma crítica a alguma obra sua entristece profundamente Francisco, pois, não é somente uma desaprovação ao quadro isolado, mas também ao sentimento do artista que está expresso ali, em forma de pintura.
FRANCISCO - FALAS ADICIONAIS