Queimadas, desmatamento e avanço da urbanização são alguns dos fatores que influenciam o deslocamento de espécies silvestres na cidade
Alice Carpes, Mírian dos Santos e Tiago Maia
Vista da cidade de Mariana, no Bairro São Gonçalo, em agosto de 2023 | Foto: Mírian dos Santos
Mariana apresenta em sua vegetação uma biodiversidade riquíssima, que mescla a fauna e flora da Mata Atlântica com as espécies arbóreas do Cerrado. Conforme a malha urbana avança, em decorrência da expansão populacional, a ação humana se intensifica nos ambientes naturais, e a degradação desses espaços força a fauna a migrar de área ou a expandir seu território. Devido a isso, a evidência de espécies silvestres em ambientes urbanos se tornou frequente.
Segundo o Instituto Habitat, uma organização sem fins lucrativos e responsável pela gestão e manejo de animais silvestres e errantes, só entre outubro de 2021 e janeiro de 2023 foram registrados mais de 260 atendimentos em regiões próximas à cidade. Esse número corresponde tanto a casos de resgate, quando o animal está ferido, machucado, ou com a vida em risco, quanto a apreensões de porte ilegal no município. Entre as espécies atendidas estão gambá, coruja, quati, lobo-guará, jaguatirica, sagu, maritacas e outras aves menores.
Ação conjunta realizada no dia 19 de abril, entre Instituto Habitat, o Centro de Triagem de Animais Silvestres do IBAMA (Cetas-MG), a Polícia Militar de Meio Ambiente de Mariana e o Centro de Referência em Educação Ambiental e Desenvolvimento Sustentável José do Carmo Neves (CREADS), para reintrodução de 200 animais resgatados aos seus habitats naturais | Foto: Instituto Habitat
A Polícia Militar de Meio Ambiente de Mariana realiza anualmente, em média, o atendimento de 576 ocorrências relacionadas a animais silvestres. Esse número cresce se forem considerados os dados do Corpo de Bombeiros, que chega a responder quase 200 ocorrências por ano. Um registro preocupante tendo em vista que, dentre as espécies atendidas, algumas estão em risco de extinção, como o lobo-guará.
As ocorrências estão ligadas a diversos fatores, seja atropelamento de animais nas rodovias, aparições em ambiente doméstico ou até mesmo pelo contato com a linha de cerol. Esta última, em alguns casos, é encontrada misturada nos materiais recolhidos pelas maritacas para construir seus ninhos, e por isso, quando elas se movimentam dentro do espaço, acabam se ferindo e precisam de intervenção médica.
De acordo com o censo demográfico realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2022, a cidade possui uma população de 61.387 habitantes, o que corresponde a uma média de 2,8 moradores por residência. E até 2019, apenas 11,77 km² da cidade correspondiam à área urbanizada.
Segundo dados do Mapbiomas Brasil, projeto que realiza o mapeamento anual da cobertura e uso da terra, superfície de água e cicatrizes de fogo no mundo, foram desmatados, em média, 198 hectares por ano no intervalo de 2015 a 2020 no município. O espaço corresponde a cerca de 1.189 campos de futebol, em uma cidade que possui 119.400 hectares de área territorial. Se usarmos essa mesma comparação com os dados correspondentes ao número de incêndios na região, no período de 2015 a 2022, teremos mais 4.809 campos de futebol queimados.
Recorte do Mapa Municipal de Mariana destacando as unidades de conservação e
áreas de proteção ambiental próximas à zona urbana| Fonte: IBGE
Na cidade está localizada a unidade de conservação Parque Nacional da Serra do Gandarela, propriedade do Estado de Minas Gerais, criada para proteger a drenagem da nascente do Rio Piracicaba, importante afluente do Rio Doce. Além dela, existe também a Área de Proteção Ambiental (APA) Seminário Menor, que busca preservar os mananciais de água e impedir o avanço da malha urbana sobre o território.
Mariana possui 69,78% da área do Parque Estadual Itacolomi, onde habitam algumas espécies de animais vulneráveis e ameaçados de extinção como o lobo-guará, a ave-pavó, a onça-parda e o andorinhão-de-coleira. Também no município está a Área de Proteção Ambiental (APA) Parque Municipal da Estância Ecológica, situada na área urbana da cidade, ocupando parte do perímetro tombado do conjunto histórico. Esses espaços são protegidos pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF), criado pela Lei Estadual nº 2606, responsável pela proteção da fauna e flora no estado.
A loba-guará resgatada pelo Instituto Habitat e Corpo de Bombeiros precisou passar por uma
operação em uma das patas e se encontra sob cuidados médicos. | Foto: Mírian dos Santos
De que forma as consequências das ações humanas podem impactar a existência de outros seres vivos? Se os animais silvestres pudessem narrar histórias, quais papéis os seres humanos iriam assumir em suas narrativas? Turuna é uma lobo-guará que vive nas redondezas de Mariana. Apaixonada pelas características do seu território, o Cerrado, ela adora percorrer trilhas para matar a sede com a água das nascentes e correr pela vegetação em busca de caça.
O Podcast “Vozes de Turuna” é uma ficcionalização baseada em um acontecimento real, o resgate realizado pelo Instituto Habitat no mês de julho, responsável por mudar drasticamente a rotina da lobo-guará. Ouça agora o produto e acompanhe os desdobramentos da história produzida pelo Lampião.
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