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Artistas da Feirinha de Pedra Sabão

Atualizado: 16 de ago. de 2023

Conheça os artesãos e artesãs que estão por trás desse espaço cultural, turístico e econômico de Ouro Preto

Sara Lambert e Vitória Calixto



A Associação de Expositores do Largo do Coimbra (ADELC) reúne-se desde 1995 em frente à Igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto, para comercializar e expor suas obras na popularmente conhecida Feirinha de Pedra Sabão. Grande parte dos produtos é fabricada no distrito de Santa Rita, e alguns processos de acabamento, como decoração, pintura e esculpimento são feitos na feirinha pelos artesãos.


O Largo do Coimbra surge como espaço urbano e assume um papel de destaque no turismo, favorecendo o mercado de esculturas de pedra sabão e formando um dos principais atrativos turísticos e populares do município. Fato esse que reflete a importância histórica e econômica da feira para o município de Ouro Preto e suas tradições.


A construção cultural e econômica da feira foi e é realizada através dos artesãos que dedicam seu tempo para produzir e vender os artesanatos, mostrando a importância da arte para a cidade e para si próprios. Essa construção é feita através da relação dos trabalhadores com a feira, seja ela cultural, familiar ou econômica. A relevância que a Feirinha de Pedra Sabão possui, atualmente, é fruto do trabalho dessas pessoas. E, contar a história da feira, é contar a história da mão de obra por trás dela: os artesãos e artesãs.


Cormaria Fontes Lopes


Cormaria, artesã na Feira de Pedra Sabão | Foto • Luiza Fonseca

#ParaTodosVerem: a foto mostra o retrato de uma mulher sorrindo, que não está olhando diretamente para a câmera. Ela está com o cabelo escuro preso, usa óculos, uma camiseta rosa e um colar com pingente.



Esboço inicial de uma escultura confeccionada por Cormaria | Foto • Luiza Fonseca

#ParaTodosVerem: A foto mostra duas mãos segurando uma escultura de cabeça de anjo em pedra sabão, que ainda não está concluída.


Cormaria esculpindo em pedra sabão | Foto • Luiza Fonseca

#ParaTodosVerem: A foto mostra a mãos de uma mulher esculpindo o rosto de um anjo na peça bruta com um objeto afiado; em seu pulso tem uma tatuagem


Cormaria Fontes Lopes, um nome especial assim como sua história. De forma simpática e com vontade de contar sua trajetória, ela fala sobre a feira e também dos seus netos, sempre com brilho nos olhos, e mostra as pulseiras de miçangas que sua neta faz e vende na feirinha.


A artesã de 51 anos, com alguns fios de cabelos brancos e um sorriso largo, trabalha na feira há 28 anos, mas só depois de casada pegou gosto pelo artesanato. Segundo a artesã, seu marido já confeccionava pedra sabão e fazia exposições, na década de 70, quando a Feirinha de Pedra Sabão não existia de fato. Como a mulher curiosa que é, quis aprender a arte na tradicional pedra de Ouro Preto e, por conta própria, foi esculpindo no mineral. Assim, percebeu que tinha habilidade, ou mais do que isso, um dom.


Antes de expor no Largo do Coimbra, Cormaria expunha suas peças em uma feira perto da rodoviária de Ouro Preto, e decidiu concorrer a uma vaga de artesã na feirinha para mostrar seu trabalho a mais pessoas. Hoje, 90% das obras que comercializa são fabricadas por ela, e seus netos de 9 e 12 anos ajudam a pintar, transformando peças brutas em lindas esculturas.

Sabendo a importância do seu trabalho, acha que ele poderia ser mais valorizado. “As pessoas vêem a gente sentado aqui fazendo as peças e falam que não imaginam que o trabalho era feito assim. Aí, eu dou o valor e acham caro, mas quando vêem, percebem que é trabalhoso; a (nossa) mão de obra é muito desvalorizada”, critica a artesã.


Apesar das adversidades, como a incerteza com relação ao turismo e a desvalorização do trabalho, a feira simboliza muita coisa para ela. “Hoje, pra mim, aqui é tudo, é meu sustento e meu ganha pão. Culturalmente, esse lugar faz parte da história, desde a época do Aleijadinho, que já trabalhava com esse mineral. Então, para mim, a pedra sabão é tudo, tanto financeiramente quanto culturalmente”.


Os irmãos César

Fernando, artesão na Feira de Pedra Sabão | Foto • Luiza Fonseca

#ParaTodosVerem: a foto mostra um homem com camiseta vermelha, ele olha diretamente para a câmera e sua expressão mostra um ligeiro sorriso.



Trabalho realizado na pedra sabão pelo artesão Fernando | Foto • Luiza Fonseca

#ParaTodosVerem: a foto mostra as mãos de um homem fazendo os detalhes de um artesanato de pedra sabão



Júlio, artesão na Feira de Pedra Sabão | Foto • Luiza Fonseca

#ParaTodosVerem: A foto mostra um homem de 52 anos, com a pele bronzeada pela exposição diária ao sol, com pouco cabelo, e com marcas de expressão no rosto; ele também usa um brinco na orelha esquerda.


Julio finalizando seu artesanato de pedra sabão • Foto: Luiza Fonseca

#ParaTodosVerem: a foto mostra as mãos de um homem finalizando a pintura de uma escultura de pedra sabão e, tons de azul.


Os irmãos Fernando César e Júlio César, 60 e 52 anos, respectivamente, são figuras tradicionais na Feirinha de Pedra Sabão. Antes mesmo de se tornar o centro turístico e comercial que conhecemos hoje, os dois já comercializavam o artesanato no Largo do Coimbra.


O mais velho, Fernando, viaja 54 anos no tempo e relembra como tudo começou, quando era só um garoto curioso de 6 anos que ia ao Festival de Inverno de Ouro Preto ajudar a mãe que vendia doces e salgados. “Eu aprendi com os hippies, eu nasci no meio deles, né, na época do Festival de Inverno, em Ouro Preto, e ficava mexendo nos arames, aprendendo a fazer artesanato. Já comecei a aprender desde novo, só que não me dediquei não”. O artesão conta que depois disso já teve outras profissões, mas percebeu que o trabalho que realiza hoje é o melhor para si.


Quando chego na barraca ao lado para conhecer a história do irmão Júlio César, também um dos mais antigos artesãos da feira e que expõe sua arte há 40 anos, ele está finalizando a pintura cheia de detalhes de uma escultura. A precisão com que segura o pincel e sua concentração chamam a atenção, e já antecipam o trabalho impecável que o artesão realiza.

Ele conta que começou a trabalhar na feira, com jóias, mas quando viu as pessoas mexendo com pedra sabão, decidiu que era isso que queria fazer. Desde então, nunca mais largou. Suas aulas de desenho técnico no curso de Mecânica, no Senai, o ajudaram a aprender a desenhar na pedra e alcançar a perfeição em cada detalhe na escultura.


Nascidos em Ouro Preto, mas com a família de Santa Rita, Júlio e Fernando têm uma relação familiar antiga com a pedra sabão. O tio já mexia com o mineral e, então, aos 12 anos, Júlio começou a trabalhar com ele para ajudar a família. Hoje, ele e seu irmão, Fernando César, trabalham juntos na feirinha. Fernando explica que a Feira de Pedra Sabão é o que traz todo o seu sustento e de seus quatro filhos. Sobre a importância da feira ele diz: “Para mim, é muito importante porque sobrevivo só de artesanato né, dependo do turismo. Aqui é uma coisa incerta também né, a gente tem muitos dias difíceis também. Tem que ter uma poupança, uma economia”.


Além disso, os irmãos destacam que o reconhecimento recebido ultrapassa as fronteiras de Ouro Preto. Júlio conta que sua arte é comercializada em diversos lugares, do Brasil ao exterior, chegando à Bahia e até mesmo à França. É dessa forma que ele sobrevive e conquista tudo que tem. Foi assim que conseguiu criar seu filho, hoje já formado e que segue um caminho diferente do pai, na área da mineração.


Rosimeire Maria Neto


Rosimeire, artesã na Feira de Pedra Sabão | Foto • Luiza Fonseca

#ParaTodosVerem: a foto mostra uma mulher negra de pele clara com um boina vermelha na cabeça, um avental azul no corpo e um sorriso tímido.


A história de Rosimeire, mulher negra de 52 anos, com a feira é recente. Trabalha ali há cerca de um ano e meio, mas sua relação com a pedra sabão é de longa data. Ela conta que a conexão começou aos 7 anos, por conta do pai que sempre gostou e trabalhou com a pedra. Além disso, seu cunhado e o irmão dele têm uma fábrica na região de Ouro Preto que faz as peças de pedra sabão, intensificando ainda mais seu vínculo com o mineral.


Rosimeire é nativa do principal distrito da cidade em extração de pedra sabão, Santa Rita de Ouro Preto, o que explica sua relação com esse tipo de artesanato desde a infância. Ela já trabalhava vendendo suas peças em atacado, para o comércio, mas foi após receber a proposta para se tornar sócia do negócio da família que veio se consolidar na feirinha.


Muitas famílias estão ligadas ao manuseio da pedra sabão. Trata-se de um ofício passado entre gerações, preservado pela continuidade dos valores tradicionais e pela possibilidade de renda. Esse é o caso de Rosimeire, que tem uma das filhas trabalhando na feira, perpetuando a tradição familiar. Ela reconhece a importância deste espaço não só para si, mas também para outras famílias. “É o pão de cada dia para muitas famílias, né?! Aqui é muito importante, muitos criam seus filhos, eles estudam e tiram a alimentação daqui”, reflete Rosimeire.


Patrícia Ângelo


Patrícia, artesã na Feira de Pedra Sabão | Foto • Luiza Fonseca

#ParaTodosVerem: a foto mostra uma mulher negra de olhos pequenos e quase fechados, com o cabelo todo preso e um colar longo e colorido no pescoço.


Patrícia Ângelo, uma mulher negra de 55 anos, com um olhar mais fechado e a expressão que transparece as marcas do tempo de trabalho de quase 40 anos. Tem sua trajetória entrelaçada com a da Feirinha de Pedra Sabão, pois chegou nesse espaço com apenas 19 anos e, desde então, dedica todos os dias a produzir e vender seus artesanatos.


Patrícia trabalha junto ao marido, que fica em casa fazendo as peças maiores, enquanto ela realiza as pinturas e acabamentos na feira. Ele já fazia exposição do seu trabalho em outro local, até que conseguiu esse espaço e, hoje, eles trabalham juntos para sustentar a família. Com tantos anos trabalhando ali, a mulher conta que é de lá que sai todo o seu sustento. “Para mim, a feira é tudo; tudo que eu ganho sai da feira, eu visto da feira, eu como da feira, é tudo daqui”.


Apesar da importância da feira em sua vida, Patrícia desabafa que sente que seu trabalho é desvalorizado e que as pessoas acham que é algo fácil. Entretanto, não é bem assim. "As pessoas acham que a vida da gente é muito boa aqui, mas tem dificuldade. Eu cheguei aqui com 19 anos, tô fazendo 55. Eu nunca fui à praia, eu não conheço nada, porque é difícil conseguir dinheiro pra comprar tudo que precisa - gás, luz, INSS. Eles acham que nossa vida é muito boa trabalhando sábado, domingo, feriado, sem poder aproveitar. Nossa vida aqui não é fácil”, conta.


Daniel German

Daniel, artesão na Feira de Pedra Sabão | Foto • Luiza Fonseca

#ParaTodosVerem: a foto mostra um homem com um pouco de barba branca, olhos mais puxados, cabelo na altura do ombro. Ele está com uma blusa azul e rodeado por colocares com pedras coloridas que está desfocado na imagem.


Anéis de pedras preciosas que vendem na feira de pedra sabão | Foto • Luiza Fonseca

#ParaTodosVerem: A foto mostra anéis de diferentes tipos de pedras preciosas


Daniel German, que trabalha na banca de um amigo na feira, logo me cumprimenta com um alegre “olá”, marcado pelo forte sotaque espanhol. Apaixonado por pedras preciosas, ele logo expôs toda sua coleção de pratas e pedras que confecciona e estão à venda na Feirinha de Pedra Sabão. Os produtos variam de brincos, colares, pulseiras, anéis e pingentes dos mais variados tipos de pedras, com tamanhos e cores únicas.


O argentino conta como foi o início desse encanto pelas pedras. “Começou com uma viagem que fiz quando tinha 20 anos para a Colômbia, e lá eu já comecei a sentir que era isso. Mas, depois disso, minha vida foi outra”. Para chegar onde está hoje, como vendedor de joias no Largo do Coimbra, o caminho foi longo. Trabalhou em diversas outras áreas e viajou muito até chegar no Brasil, e depois a Ouro Preto.


Daniel está no país há 20 anos e conta que veio em busca das pedras preciosas daqui. “Já trabalhava com pedras argentinas e uruguaias, e aí vim aqui buscando as pedras brasileiras”. Contudo, antes de chegar a Ouro Preto, esteve no Sul do país, onde vendia macramê (artesanato realizado a partir de uma técnica de tecelagem manual com uso de nós), e que vinha para cá comprar as pedras que usava para confeccionar esses objetos que comercializava. A partir de então, começou a aprender a prática de elaboração de joias em prata, comprou um lote e fez sua casa em Ouro Preto, onde vive atualmente.


Dentre explicações sobre pedras, sugestões de livros sobre o assunto e conversas jogadas fora sobre coisas banais da vida, entendo o que Daniel manifestava quando disse que “não tem limite a sua força”. No seu caso, foi preciso muita força para não se acomodar e correr atrás daquilo que queria e que hoje é sua paixão.


A história dessas pessoas tem algo em comum, além da feirinha. Suas histórias de vida são marcadas por muita luta e um sentimento de pertencimento em relação à arte, não somente como renda, mas também como valorização da cultura do artesanato, da reverência histórica da pedra sabão. Conhecer a história de Cormaria, dos irmãos César, de Rosimeire, Patrícia e Daniel, é conhecer a história de diversos trabalhadores que não possuem o reconhecimento e valorização da sua arte da forma que deveriam. A feira é um espaço cultural extremamente rico e simbólico, mas é só através dos artesãos e artesãs que ganha tamanha dimensão.




















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