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Aumento da arrecadação não chega à população marianense

A receita passou dos R$ 570 milhões em 2022, no entanto, a qualidade dos serviços municipais ainda é alvo de críticas por parte dos habitantes


Eduarda Dias, Isadora Ribeiro, Luísa Baraldo

Em um final de tarde, um homem sentado em um sofá velho ao lado de uma lixeira transbordando sacos de lixo, caixas e vários outros itens, ele está no meio da rua, no bairro Santo Antônio. Atrás dele tem um carro e algumas casas, umas casas sem reboco e algumas na cor verde e azul com expressão de normalidade

Legenda e créditos: Morador do bairro Santo Antônio sentado ao lado da lixeira lotada. | Foto: Eduarda Dias


Desde 2020, a arrecadação municipal marianense vem crescendo. De acordo com o Portal da Transparência da Prefeitura de Mariana (MG), de 2020 para 2021, o valor chegou a aumentar de R$ 417 milhões para R$ 543 milhões, totalizando um aumento percentual de 30,16%.


Em 2022, o valor arrecadado aumentou cerca de 4,97% em relação ao ano anterior, totalizando R$ 570 milhões. Já em 2023, espera-se que a arrecadação continue aumentando, já que a faturação até julho deste ano somou R$ 314 milhões.

Esses valores advêm de diversos impostos recolhidos pela Prefeitura e da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), paga mensalmente ao município pelas empresas mineradoras que atuam na região e cujo valor também tem aumentado anualmente. No entanto, moradores reclamam que, mesmo com o aumento da receita na cidade, a qualidade dos serviços públicos prestados segue precária.


De acordo com dados também divulgados no Portal de Transparência de Mariana acerca da receita marianense, o maior contribuinte jurídico do município é a Fundação Renova, que em 2022, chegou a pagar um total de R$ 47,9 milhões de impostos aos cofres da cidade. Entre 2020 e 2022, a Renova permaneceu como a maior contribuinte jurídica do município. Nesses três anos, a soma de impostos pagos pela fundação contabilizou R$ 102,750 milhões.


Em segundo, a Samarco Mineração também contribui com uma somatória alta aos cofres de Mariana, tendo nos últimos três anos (2020, 2021 e 2022) subsidiado mais de R$ 50 milhões de impostos ao município.


Analisando o quadro geral, entre os maiores contribuintes jurídicos da receita marianense há uma grande prevalência de mineradoras. No ano de 2020, por exemplo, seis entre as dez empresas com maior contribuição aos impostos municipais eram ligadas a atividade exploratória; três prestavam serviços de engenharia, estando ligadas à mineração e às obras de reassentamento de Novo Bento; e uma era a Sociedade Beneficente de São Camilo, hospital particular de Mariana que também presta serviços para o local. Neste ano, o valor da contribuição advinda das mineradoras passou dos R$ 50,6 milhões.


Em 2021, dentre os maiores contribuintes da receita, além das seis mineradoras, havia três empresas referentes à engenharia, também vinculadas às atividades da Samarco e Vale. Neste ano, a somatória da contribuição advinda das mineradoras passou dos R$ 53,5 milhões.


Já no ano de 2022, o número de mineradoras contribuintes continuou no seis, no entanto, o valor advindo do pagamento de impostos por mineradoras cresceu exponencialmente, somando um valor de mais de R$ 84,6 milhões. No entanto, mesmo com o crescimento da arrecadação municipal, a qualidade dos serviços continua sendo questionada pela população.


Saúde


A Secretaria de Saúde é a que tem maior investimento. Como consequência, maiores gastos na Prefeitura e isso vem sendo percebido nos últimos anos com o aumento consecutivo nos repasses para a área. De acordo com dados do Portal da Transparência, foram repassados nos anos de 2020, 2021 e 2022 cerca de R$ 90 milhões, R$ 114 milhões e R$ 161 milhões, respectivamente. O aumento expressivo dos repasses acompanhou o aumento da receita do município.


A Secretaria afirma que o dinheiro foi utilizado na reforma de diversas Unidades de Saúde, aquisição de equipamentos e insumos novos. Além disso, uma grande parte desses recursos é destinada à medicina especializada, como pagamento de médicos, exames e remédios. Porém, quando questionados se há melhorias na saúde, muitos moradores relatam falta de medicamentos e uma longa espera por atendimento na Policlínica da cidade.


Questionada sobre isso, a Secretaria de Saúde afirmou que a falta de medicamentos se dá pela dificuldade de quantificar o número de pessoas que utilizam. Como solução, a Prefeitura substitui por similares, além disso, outro meio de financiamento desses medicamentos ocorre através de subsídios do Governo Estadual e Federal na compra desses insumos.


Demora no atendimento na farmácia da Policlínica | Foto: Eduarda Dias


No cargo desde janeiro de 2023, o atual secretário da saúde de Mariana, Jonathan Chaves, diz que esse modelo de saúde não tem causado efeito, já que a maior parte dos gastos são destinados para manutenção do sistema de saúde da cidade, não para o investimento. “Eu acho que Mariana gasta mais do que investe, tanto que se você pegar o orçamento especial e ver a área da saúde, pode ver: 95% do gasto é manutenção e 5% é investimento”, relata.


Superlotação no atendimento da Policlínica de Mariana | Foto: Eduarda Dias


Educação


Desde 2021, a Secretaria Municipal de Educação segue como a segunda com maior despesa no município. Os gastos neste ano passaram dos R$ 84 milhões. Em 2022, o valor aumentou exponencialmente, chegando a R$ 20 milhões.


Antes, em 2020, a Secretaria ocupava o terceiro lugar de orçamento nas despesas da cidade, tendo uma somatória de R$ 73,7 milhões. Mesmo com esse montante, Simere diz ter optado por colocar seus filhos em uma escola particular: “Na sala dos meus filhos são dez, no máximo 16 alunos por sala. Eu acredito que isso seja muito mais favorável para o aluno e para o professor também.”



Além disso, segundo dados disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), criado para medir a qualidade do ensino das escolas públicas marianenses, atingiu a meta nacional apenas nos primeiros anos. Já nos anos finais e no ensino médio, as escolas pontuam estatisticamente muito abaixo da média nacional, pontuando 4,5 e 3,8 respectivamente.


No Portal da Transparência de Mariana, é impossível ter acesso ao destino final das despesas desta Secretaria e de todas as outras. Essa falta de dados contradiz a Lei de Acesso a Informação, que em seu Art. 6 garante caber: “Aos órgãos e entidades do poder público, observadas as normas e procedimentos específicos aplicáveis, assegurar [a] gestão transparente da informação, propiciando amplo acesso a ela e sua divulgação [e a] proteção da informação, garantindo-se sua disponibilidade, autenticidade e integridade”.


Ao procurada, a assessoria de comunicação da Secretaria da Educação se negou a marcar uma entrevista, alegando que o assunto da reportagem “não possui relação com os assuntos tratados pelo órgão”.


Infraestrutura


A Secretaria Municipal de Obras e Gestão Urbana tem como principal objetivo o planejamento e execução das atividades relacionadas com a gestão de obras públicas e a infraestrutura de Mariana. No ano de 2020, a Secretaria teve gastos por volta dos R$ 89 milhões, perdendo apenas para a Secretaria de Saúde, que gastou um pouco mais, chegando aos R$ 90 milhões. Já no ano de 2021, os gastos diminuíram, ficando abaixo dos R$ 67 milhões, e em 2022 voltaram a aumentar, contabilizando uma despesa de R$ 106 milhões.


Porém, apesar do montante advindo dessa Secretaria, diversos moradores reclamam da infraestrutura da cidade, apontando buracos nas ruas, falta de lixeiras e condição precária dos prédios públicos.


Legenda e créditos: lixeira no centro da cidade transbordando e com lixo na calçada | Foto: Eduarda Dias


Ao contatar pessoalmente e por telefone, o secretário Leonardo Rodrigues dos Santos e a Secretaria de Obras e Secretaria Municipal de Obras e Gestão Urbana, não obtivemos resposta.


Projetos sociais


A Secretaria de Desenvolvimento Social e Cidadania é a quarta com maior despesa no município. No ano de 2020, o órgão chegou a gastar mais de R$ 42 milhões para sustentar seus projetos. No ano seguinte, o gasto aumentou para R$ 56 milhões, tendo diminuído em 2022 para os R$ 54 milhões.


Segundo dados do Portal da Transparência Municipal, que também fornece o valor das despesas, o destino do dinheiro é majoritariamente destinado para os programas de Assistência Social. Dentro deles, o programa com um dos maiores aportes de despesa é o “Ações Complementares de Assistência Social - Acordo Judicial PMM e Renova”. Contando com mais de cinco milhões de investimento, em seu acordo, a fundação planeja propor e executar programas assistenciais “com o objetivo de recuperar o meio ambiente e as condições socioeconômicas”, além de programas socioeconômicos. No entanto, o destino do dinheiro e quais projetos estariam sendo elaborados não são esclarecidos no Portal.



Ao indagar a Secretaria de Desenvolvimento Social e Cidadania e a secretária Daniely Cristina Souza Alves, não se obteve nenhuma resposta.

O papel da CFEM


Estabelecida no Artigo 20 da Constituição de 1988, a CFEM é o valor pago pelas mineradoras à Agência Nacional de Mineração (ANM), pela exploração mineradora, que é um bem da União. Depois de paga, essa compensação é dividida entre a União, estados e municípios, que recebem cerca de 60% deste valor.


No ano de 2020 foram repassados cerca de R$ 100 milhões pela CFEM, enquanto em 2021 o valor aumentou para R$ 236 milhões. Já em 2022, o valor foi de R$ 132 milhões. Na teoria, esse valor deveria ser utilizado para que Mariana consiga achar outras fontes de renda quando a atividade mineradora se encerrar na cidade.


Devido ao aumento da população flutuante, proveniente da mineração, o município acaba utilizando o valor da CFEM para a manutenção dos serviços básicos. De acordo com Jonathan Chaves, essa população vem impactando diretamente a estrutura do sistema de saúde da cidade, já que houve um aumento do consumo de medicamentos, de exames e até transporte pela saúde. “Se aumentou a CFEM, aumentou a produção. E se aumentou a produção é porque tem mais gente. Se tem mais gente, tem mais gastos com a saúde. É algo diretamente proporcional”, afirma.

 

Esse padrão também se repete em outros municípios da região. Com uma população de 52 mil habitantes, Itabirito arrecadou, no ano de 2020, cerca de R$ 356 milhões. Desse valor, R$ 90 milhões são provenientes da CFEM, cerca de 25% do valor total.


No município, em 2021, foram arrecadados R$ 421 milhões. Do montante, R$ 144 milhões vieram da CFEM, equivalente a 34%. No ano seguinte, o valor total foi de R$ 528 milhões, onde cerca de R$ 240 milhões são provenientes da CFEM, ou seja, 57%. Com isso, é possível ver não apenas o aumento do valor arrecadado, como também a dependência da cidade em relação a esse imposto para garantir a manutenção de todos os gastos.


Já em Conceição do Mato Dentro, as coisas são um pouco diferentes. A cidade de aproximadamente 18 mil habitantes está localizada na Microrregião do Médio Espinhaço e tem a mineração como principal fonte de renda. Antes da atividade mineradora, o município vivia do turismo e da agropecuária, porém devido à exploração mineral, a principal fonte de recursos passou a ser a CFEM.


Como forma de superar esse cenário de dependência da exploração mineral e se preparar para quando as empresas mineradoras se retirarem da cidade, Conceição do Mato Dentro sancionou a Lei 2.175/2017. Inspirada no Fundo Soberano - criado na Noruega em 1976 - a lei aprovada instituiu o Conselho Municipal de Diversificação Econômica e Desenvolvimento Sustentável (COMDEDS) e o Fundo Municipal de Diversificação Econômica e Desenvolvimento Sustentável (FUMDEDS). Dessa maneira, foi desenvolvida uma poupança pública que garante transparência no processo.

 

Bruno Milanez é professor do departamento de Engenharia de Produção da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e membro do grupo de pesquisa Poemas, que faz parte do projeto “De Olho na CFEM”. Criado no final de 2019, a iniciativa surgiu em comunidades acadêmicas de diferentes universidades, com o objetivo de fomentar o debate público sobre o destino da CFEM. Para o grupo, há dois problemas em relação ao uso desses recursos: a falta de transparência em muitas prefeituras, já que elas não comunicam para a sociedade o destino dos recursos, e as prefeituras que não utilizam a CFEM de maneira correta, ou seja, usam esse imposto para a manutenção de serviços básicos na cidade, como Mariana.


Entendendo esse contexto, há uma falta de transparência municipal acerca do destino desses recursos. Um dos exemplos disso é que no Portal de Transparência da cidade, quando se tenta acessar a parte de gráficos da arrecadação desse recurso, aparece apenas uma aba branca, com o título das informações que estariam ali, mas em completo vazio de informações.


Página em branco do site da prefeitura | Fonte: www.mariana.mg.gov.br


Essa informação é extremamente necessária se pensarmos que, como reiterado por Milanez, por ser uma matéria-prima não renovável, quando o minério se esgota, a renda provinda dele também e, como consequência, existe o risco de o município entrar em recessão econômica se não tiver outra atividade econômica. O especialista afirma: “É importante entender que a origem dos royalties da mineração não é para corrigir ou compensar os impactos ambientais e sociais dela. Muitos desses impactos devem ser custeados pela própria mineradora.”


Essa falta de dados não apenas se refere aos destinos da CFEM, mas também do destino das próprias despesas do município, já que as Secretarias de Educação, Desenvolvimento Social e Cidadania, Obras e Gestão Urbana e a assessoria de comunicação do município, quando indagadas sobre o assunto, se negaram categoricamente a conceder uma entrevista ao Lampião


Por fim, ao solicitarmos essas informações acerca do destino de recursos pela Lei de Acesso à Informação (LAI), no dia 21 de julho, até a finalização desta reportagem não obtivemos retorno de nenhuma das solicitações. Tal demora excede o prazo legal de 20 dias de resposta e se encontra na prorrogação de 10 dias possibilitada pela lei.





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