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Cordão Girassol em Mariana

Validado nacionalmente como símbolo de empatia, e distribuído de forma gratuita na primaz de Minas, o cordão de identificação de deficiências ocultas encontra desafios coletivos e individuais para sua adequação e inserção na cidade.

Por Luan Lima, Matheus Camargos e Luiz Guilherme Mascarenhas


Ícaro Daher, criança autista. Foto: Luiz Guilherme Mascarenhas

#ParaTodosVerem: Criança de 9 anos, branca, de cabelos castanhos, vestindo uma camisa preta com o símbolo que identifica a causa autista. Em seu pescoço, está um cordão verde com estampa de girassóis, utilizado para identificar deficiências ocultas. A criança está sentada em um balanço, segurando nas correntes de sustentação. 


Em 16 de outubro de 2023, o Diário Oficial do Município de Mariana publicou a Portaria SMS Nº07 que estabelece diretrizes para o cadastro e confecção do cordão de fita na cor verde estampado com desenhos de girassóis de cor amarela. Essa iniciativa busca facilitar a identificação de pessoas com deficiências e doenças ocultas, como Transtorno do Espectro Autista (TEA), deficiências intelectuais, auditivas, visuais e demências. Apesar da implementação da legislação municipal, a atenção primária a esse público ainda carece de aprimoramentos, destacando a necessidade de medidas adicionais.


Origem e história do cordão


O “Cordão de Girassol" é reconhecido como símbolo para a empatia, e se popularizou em 2016, quando os funcionários do aeroporto de Gatwick, em Londres, solicitaram a criação de um colar com design colorido para identificação de pessoas com deficiência oculta que precisassem de ajuda. Viabilizado pelo grupo global “Hidden Disabilities Sunflower” (HDS), o projeto se tornou referência para outros 30 países e 216 aeroportos. 


Além de aeroportos, essa modalidade de identificação se espalhou para instituições de educação, saúde, espaços públicos como supermercados, hospitais, bancos, bares, entre outros lugares de sociabilidade. Neste ano, o Congresso Nacional sancionou a Lei Nº 14.624/2023, e com isso institui o uso do cordão de fita com desenhos de girassóis para a identificação de pessoas com deficiências ocultas no Brasil.


A legislação acrescenta o cordão ou fita com girassóis desenhados ao Estatuto da Pessoa com Deficiência, frisando que seu uso é opcional e que sua ausência não prejudica o exercício de direitos já garantidos. Ao optar por usar o Cordão Girassol, a pessoa com deficiência e seus familiares podem usufruir de algumas vantagens, como a exclusão da necessidade de permanecer em filas, disponibilidade de salas sensoriais, mais tempo de preparo para check-in em aeroportos e ajuda para ler placas de sinalização. 


De acordo com as informações do grupo HDS, que representa a causa em diferentes países, a lista de doenças e deficiências consideradas invisíveis aumenta todos os dias. Mais de 900 condições diagnosticadas estão listadas atualmente como ocultas. Abaixo, estão listados  alguns quadros relacionados à interação social, comunicação verbal e não verbal, comportamentos restritivos e destemperos emocionais que, com a apresentação de laudo médico, autorizam as pessoas  a utilizarem o cordão de girassol. 


 Ilustração das possibilidades de uso do Cordão Girassol | Crédito: Luan Lima 

#ParaTodosVerem: Ilustração gráfica digital simulando um cartaz. Em fundo amarelo, um ícone de uma árvore está no centro, a partir de seus galhos saem setas que apontam para respectivos quadros de cor preta. Dois à esquerda e dois à direita, contendo informações sobre as deficiências que podem usar o cordão.


Problemas em reconhecimento


A palestrante marianense Débora Calana, que além de ser uma pessoa com deficiência (PCD) é ativista nos processos pela luta de inclusão do Cordão Girassol, destaca a importância do acessório para identificar aquelas deficiências que não são visíveis, e ressalta que o cordão está sendo utilizado de maneira equivocada.


Quem está fazendo tratamento de câncer pode usar o colar, mas não será amparado pela Lei Brasileira de Inclusão. Nesse caso, o cordão serve apenas para sinalização, para evitar aquele transtorno quando a pessoa entra numa fila preferencial e todo mundo olha torto”, ressalta Calana.

A Lei Brasileira de Inclusão, em seu Artigo 3º, determina que um indivíduo é identificado como pessoa com deficiência (PCD) a partir de um exame médico-pericial que inclui a avaliação biopsicossocial. Débora define esse laudo como um instrumento essencial para que o indivíduo seja amparado pela legislação, pois o uso do cordão não dispensa a apresentação de um documento que comprove a deficiência. Para ela, isso ajuda a evitar problemas de falsificação do cordão ou uso indevido para acesso a benefícios.


Para a palestrante, as maiores dificuldades encontradas no momento estão relacionadas à ampliação da divulgação da simbologia do cordão, já que “muitas pessoas ainda não conhecem a lei, o acessório e seus significados”. Residente em Juiz de Fora, ela  descreve um fato lamentável que vivenciou em um estabelecimento da cidade.


“Chegando lá, eu estava com o colar devidamente sinalizado, identificado. Peguei a fila do atendimento prioritário e não me chamaram. Fui questionar a moça que estava atendendo e ela me disse que ‘não tinha bola de cristal’, que não era obrigada a saber sobre os processos que envolvem o cordão”.  

A ativista destaca que não basta apenas implementar uma emenda que assegure a distribuição do colar de forma efetiva; é crucial que as empresas demonstrem disposição em oferecer treinamentos e palestras para educar seus funcionários. Atualmente, Calana está comprometida em abordar essa temática e expandir o projeto durante suas palestras e treinamentos, visando aprimorar essas questões.


O que diz o poder público 


Aprovado no Plenário da Câmara Municipal de Mariana, o Projeto de Lei Nº 07/2023 dispõe sobre a utilização do cordão como símbolo para a identificação da pessoa com deficiência oculta no município, além da confecção e a distribuição dos cordões aos usuários. Em outubro, a Secretaria de Saúde iniciou o cadastramento das pessoas interessadas em receber o colar e o crachá de identificação gratuitamente. Os cadastros são realizados nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), e é necessário apresentar documento de identificação (original e cópia), foto 3x4, cartão SUS e laudo médico comprovando a condição.


As UBSs são designadas como centros para cadastramento devido a lógica da Atenção à Saúde Primária. Segundo Adelina Barbosa Nunes, Referência Técnica em Equidade de Políticas em Saúde, “esse nível de atenção do SUS se aproxima mais das pessoas e estabelece uma articulação entre os movimentos sociais das pessoas com deficiência, o legislativo e a Secretaria de Saúde. Essa colaboração visa implementar melhorias a partir do vínculo existente entre a população e os serviços de atenção primária”.


De acordo com dados da Secretaria de Saúde, contabilizados até 6 de dezembro, 119 pessoas solicitaram e se cadastraram para receber o Cordão Girassol. Adelina esclarece ainda que “mesmo que a pessoa com deficiência não escolha não fazer esse cordão, ela não está impedida de acessar o seu direito de ter um atendimento prioritário”, por isso a utilização do cordão é opcional a quem quer se identificar.


Construído a partir de debates com os participantes e apoiadores pelos direitos das pessoas com deficiência, o projeto, além de promover a conscientização e o respeito a direitos previstos, como atendimento prioritário, faz a distribuição dos cordões de forma gratuita.

O fluxograma abaixo, compartilhado pela Secretaria de Saúde, indica o passo a passo do processo de solicitação do Cordão Girassol.


Fluxograma indicando como solicitar o cordão | Crédito: Secretaria de Saúde de Mariana

#ParaTodosVerem: Imagem do documento em papel, de um diagrama com a sequência de passos realizados, documentação necessária e viabilidades para o cadastro do cordão girassol.


Embora o cordão seja uma ferramenta que oferece visibilidade, sua eficácia como garantia de direitos é limitada. Como é um símbolo, e não um documento, é crucial que o usuário esteja sempre acompanhado do laudo médico para assegurar o direito à atenção especial, ao atendimento prioritário e humanizado, tanto em órgãos e serviços públicos quanto em estabelecimentos privados.


Lugares a partir da luta


A artesã Maria Maria descobriu o laudo de autismo da sua filha, Paula Coura, quando a jovem completou a maioridade. Antes de ter acesso ao diagnóstico, ela relata que enfrentou dificuldades para compreender as singularidades de Paula, que apresentava resistência em socializar. Atualmente com 23 anos, Paula seguiu os caminhos da mãe e também é artista, ela compõe e canta. Maria Maria acredita que se a filha tivesse sido diagnosticada ainda na infância, e contasse com o apoio do cordão de identificação, isso teria contribuído para seu processo de socialização, uma vez que as pessoas compreenderiam melhor sua condição e julgamentos seriam evitados.


“Se a Paula tivesse o diagnóstico mais cedo, eu talvez não teria achado que a culpa era minha de um certo comportamento de Paula. E se tivesse esse diagnóstico, acredito que o cordão me ajudaria muito, porque identifica, facilita socialmente. Não haveria cobranças, ninguém ia querer dizer que ‘essa menina tá fazendo birra’ ou ‘essa menina tá fazendo o que ela quer’”, relata a artesã.

Diferente de Maria Maria, a funcionária pública Polyana Daher, mãe do Ícaro, de 9 anos, que é uma criança autista não verbal, conta com o suporte do cordão girassol no dia a dia da criação do filho. Ela percebe que, como o garoto não consegue verbalizar o que sente, o acessório facilita o entendimento das pessoas para com a condição do Ícaro, o que favorece a integração social da criança.




O uso indevido do Cordão e preconceitos


O acessório foi criado para ser usado por pessoas com deficiência que não podem ser percebidas imediatamente, possibilitando a esse público uma assistência diferenciada e mais segurança em momentos de socialização. Entretanto, há quem use o cordão sem a função para qual foi criado. Para a especialista em direito para as pessoas com deficiência, Daniele Avelar, a falta de conscientização é o principal motivo para que haja o uso indevido do colar. “A conscientização não pode partir somente da gente [PCDs e familiares]; o Poder Público precisa fazer um debate franco sobre o uso. A lei por si só não modifica a cultura e a cultura só vai se modificar após as pessoas conhecerem sobre o tema”, relata Avelar.


Por se tratar de um símbolo, a fiscalização do uso indevido precisa ser feita mediante a documentação oficial, mas com ressalvas para não enquadrar a situação como conduta discriminatória. De acordo com a advogada, por se tratar de falsidade, a pessoa que utiliza indevidamente o cordão pode ser penalizada. Para ela, o melhor princípio para se evitar esses transtornos seria a adoção da distribuição pelo poder público, como acontece em Mariana.


Em casos de descumprimento da lei, em estabelecimentos privados, os envolvidos devem realizar uma denúncia no Procon da cidade, por se tratar de uma violação do direito do consumidor. No setor público, para a comunidade, as denúncias devem ser levadas à Ouvidoria do município. Esse é o caminho mais rápido para que essas situações cheguem ao conhecimento do Executivo e sejam solucionadas de acordo com a legislação.




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