Nos últimos 15 anos, apenas uma vereadora foi eleita por legislatura na Câmara do município. Essa baixa representatividade se repete em todos os níveis da federação, colocando o país na 133ª posição no ranking da pesquisa “Women in National Parliaments”
Por Eduarda Dias, Isadora Ribeiro e Luisa Baraldo
Foto da reunião ordinária da CMOP, onde a Vereadora Lilian Françatem seu momento de fala e os colegas
da mesa agem com expressões de desinteresse e deboche | Foto • Eduarda Dias
Em 3 de maio de 1933, diversas mulheres fizeram algo diferente. Carmen Miranda era sucesso na rádio com a música Alô, Alô, Tarsila do Amaral pintava os Operários, enquanto mulheres, em seções separadas dos homens, votavam e eram votadas pela primeira vez no país.
No Brasil, o direito ao sufrágio feminino foi implementado apenas em 1932, 40 anos depois da Nova Zelândia, o país pioneiro na ação. A medida brasileira foi institucionalizada no Governo Getúlio Vargas e concebia o voto como algo qualificado a qualquer indivíduo com mais de 21 anos, independente de seu gênero. Isso não implicava apenas na possibilidade de votar, mas na garantia da participação de mulheres na política, o que ainda é baixa quando comparada a outros países. A representação feminina no Poder Legislativo, como na Câmara de Vereadores de Mariana, por exemplo, se limita a uma mulher eleita, a cada legislatura, desde 2008.
Segundo dados da pesquisa “Women in National Parliaments”, publicada pela União Interparlamentar, em 2019, apenas 15% das cadeiras disponíveis nos parlamentos brasileiros são ocupadas por mulheres. Assim, o país está na 133ª posição do ranking, tendo um número bem menor que outros territórios latino-americanos, a exemplo da Bolívia, o segundo país colocado no ranking, com 53,1% das cadeiras disponíveis conquistadas por mulheres.
Quadro comparativo com a participação percentual de mulheres no Legislativo, no Brasil, em relação a outros países.
Em Minas Gerais, a participação feminina na política também é desigual. Segundo dados da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, de 2022, a quantidade desse grupo no Poder Legislativo é de apenas 19,48%, com 15 mulheres entre os 62 homens eleitos. No Legislativo federal a situação é parecida, com apenas 17,74% das cadeiras sendo ocupadas por esse gênero. Complementando o cenário de baixa participação feminina, em Mariana, a porcentagem de mulheres no Legislativo é ainda menor, somando apenas 6,6% das vagas.
Percentual de homens e mulheres que ocupam vagas nos legislativos federal, estadual e municipal.
Na cidade de Mariana, o número de vereadoras continua o mesmo desde 2008, ou seja, somente uma eleita por legislatura. Naquele ano, apenas uma mulher foi eleita entre as dez vagas da Câmara do município, o que significava 10% da representação. Entre 2012 e 2016, os assentos do Poder Legislativo marianense aumentaram para 15, porém, a porcentagem de mulheres eleitas não mudou, com a proporção caindo para 6,6%. Em 2020, nas últimas eleições municipais, apenas uma mulher continuou sendo eleita para a Câmara.
Relação de vereadoras e vereadores na Câmara Municipal de Mariana entre os anos de 2008 a 2020.
As eleitas durante esse período foram: Aída Anacleto, do Partido dos Trabalhadores (PT), em 2008; em 2012 e 2016, Daniely de Zezinho Salete, do Partido Republicano (PR). Já em 2020, a eleita foi Sônia Azzi, do Democratas (DEM).
Linha do tempo com as vereadoras eleitas em Mariana de 2008 a 2020.
Outra diferença enfrentada pelas eleitas, em Mariana, diz respeito ao número de votos recebidos em relação aos vereadores também eleitos. A então vereadora Aída (PT), por exemplo, obteve 842 votos em 2008, ocupando a 7º posição entre os dez eleitos para o Legislativo Municipal naquele ano.
Já Daniely Salete (PR) obteve a melhor posição ocupada por uma mulher, estando em 7º lugar entre os 15 eleitos, em 2012. No entanto, ao tentar a renovação de mandato em 2016, sua votação não foi tão expressiva, caindo para 779 votos, o último lugar entre os vereadores eleitos daquele ano. A vereadora que ocupa o cargo atualmente, Sônia Azzi, ocupou o 13° lugar em 2020, obtendo 540 votos.
Gráfico comparativo da somatória dos números de votos das vereadoras eleitas de 2008 a 2020.
Além da representatividade
No ano de 2010, as mulheres passaram a se tornar maioria no colégio eleitoral brasileiro, integrando 51,82% do total de votantes no país. Atualmente, esse número é de 52,49%, segundo dados da pesquisa do Tribunal Superior Eleitoral de 2022. No entanto, a presença feminina na política é pouco expressiva no Brasil. Mesmo sendo a maioria de eleitores, a quantidade de mulheres que ocupam cargos eletivos soma apenas 33,17% em relação ao total de políticos.
Gráfico relativo à somatória da porcentagem da participação de mulheres votantes e da participação de mulheres na política.
O professor de Direito Constitucional na Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), Alexandre Bahia, afirma que a escassez da presença de pessoas do gênero feminino na política pode resultar em uma “baixa qualidade das leis voltadas a gênero”, já que as mulheres não estão participando da formulação delas. Um desdobramento disso, seria o conceito de "feminização da pobreza”, que diz respeito a leis que são criadas com o intuito de proteger mulheres, mas na verdade acabam sendo mais maléficas a elas, por não serem de fato pensadas pelas mulheres que vivem essa realidade.
Além disso, o advogado diz também que não apenas o gênero feminino será afetado pela baixa representatividade na política, mas que “países misóginos e machistas também são intolerantes com a população LGBT”.
Para a arquiteta e militante feminista da União Brasileira de Mulheres de Ouro Preto (UBM,) Débora Queiroz, o número de mulheres que ocupam as cadeiras na representação política é preocupante, isto porque, segundo ela: “Se nós somos mais da metade da população, nós deveríamos ser mais da metade nas condições de comando”.
A UBM é uma organização nacional, criada em 2017, em Ouro Preto, cuja finalidade é organizar as mulheres para entender a realidade desse grupo, colocá-las na política e entender formas de se alcançar as demandas femininas da região. No entanto, para a especialista, não é importante apenas que haja equidade numérica desse gênero na política, mas é preciso “que as mulheres que lá estejam realmente estejam defendendo a voz das mulheres e da classe trabalhadora”.
Galeria de fotos com todos os ex-presidentes da Câmara Municipal de Ouro Preto | Foto • Eduarda Dias
O impacto da baixa representatividade feminina nas políticas públicas
Uma maneira de garantir maior representatividade feminina nos espaços políticos está no incentivo às políticas públicas, que são conjuntos de programas, ações e decisões tomadas pelos governos - em níveis federal, estadual ou municipal - com a participação, direta ou indireta, de entes públicos ou privados. Elas têm como objetivo assegurar certos direitos de cidadania para vários grupos da sociedade ou para certo segmento social. E um desses grupos é o das mulheres.
Para que essas ações sejam criadas há a formação da agenda, que é caracterizada pelo planejamento da política pública. A partir disso, são analisadas as condições de determinada situação, a emergência e os recursos disponíveis. Em seguida, são apresentadas soluções ou alternativas. Nesse momento deve ser definido o objetivo da política, quais serão os programas desenvolvidos e as linhas de ação.
Após essa fase, define-se o curso de ação adotado, ou seja, os recursos e o prazo temporal de ação política. Dessa forma, a política pública é implementada e em seguida avaliada. Com a avaliação é possível ver a necessidade de reiniciar o ciclo das políticas públicas com as alterações cabíveis ou se o projeto é mantido.
Foto do plenário da Câmara Municipal de Ouro Preto onde mostra todos os vereadores e
a única vereadora participando da reunião | Foto • Eduarda Dias
Sendo assim, uma maneira de garantir a implementação dessas ações governamentais é através de projetos de lei. Como explica o professor Alexandre Bahia, “todo projeto de lei começa com um anteprojeto, que é apresentado por qualquer vereador - no âmbito municipal - ou pelo próprio prefeito”.
Com o anteprojeto apresentado, ele entra na Câmara e vira de fato um projeto, onde passa por comissões. Após ser aprovado pelas comissões - incluindo a de Constituição e Justiça - ele passa pela sanção do prefeito. Nas mãos do prefeito, o projeto de lei pode ser sancionado, ter parte dele vetado ou o veto total. Sendo vetado, ele volta à Câmara, que pode derrubar o veto ou mantê-lo.
Caso o projeto seja sancionado, ele é publicado no diário oficial e passa a ser de fato uma lei. Em relação a fiscalização, cabe ao Executivo fazer. Porém, quando não for possível, o Judiciário realiza essa função.
Infográfico onde explica o que são leis com tópicos como anteprojeto, projeto de lei, implementação,
vetado ou aprovado e a explicação de cada tópico.
Defesa e garantia dos Direitos
No âmbito nacional, há algumas leis voltadas ao gênero que preveem a proteção e garantia de direitos às mulheres. A principal é a Lei 11.340/2006, conhecida como a Lei Maria da Penha. Considerada pelo Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem) como uma das três leis mais avançadas do mundo, ela é responsável por criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e estabelecer medidas de assistência e proteção.
Além dessa legislação, existem outras que preveem a proteção e garantia dos direitos das mulheres. Entre elas está a Lei do Minuto Seguinte - que oferece garantias a vítimas de violência sexual - e a Lei do Femínicio, que prevê o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, ou seja, quando ele for praticado contra a mulher por razões da condição de gênero.
Legislação em Minas e Mariana
Já Minas Gerais é o estado da Região Sudeste com menos leis específicas - São Paulo conta com cinco, Rio de Janeiro com seis e Espírito Santo com sete - para mulheres e violência de gênero. Atualmente a região conta com três leis voltadas à proteção da mulher em situações de violência.
São elas: a Lei 13.432/1999, que trata da obrigatoriedade de atendimento psicológico, médico, social e jurídico para mulher em situação de violência; a 15.218/2004, que determina que todo estabelecimento de saúde deve notificar compulsoriamente a delegacia especializada de crimes contra mulheres sobre casos de violências sexual, física ou psicológica; e a Lei 22.2560/2016, que orienta sobre o correto atendimento às mulheres vítima de violência doméstica.
Além dessas, Minas dispõe de algumas leis sobre conscientização voltadas ao gênero que instituem o Dia Estadual de Combate ao Feminicídio (Lei 23.144/2018), o Dia Estadual de Combate à Violência Contra a Mulher (Lei 19.440/2011) e o Dia Estadual Contra a Homofobia (Lei 16.636/2007).
Na legislação municipal de Mariana há diversas leis aprovadas que tratam de programas voltados ao gênero, como a lei que declara de utilidade pública a Rede Mariana Mulheres que Inspiram (3.639/2022); a que institui a Semana da Mulher no Município de Mariana (Lei 3.391/2021); a que dispõe sobre campanha educativa de prevenção e combate ao assédio sexual de mulheres nos meios de transporte coletivo no âmbito da cidade de Mariana (Lei 3.281/2019); a a que trata do Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Mulher (Lei 2.795/2013); a que aborda a criação do programa de apoio à mulher (Lei 2.483/2011) e a que trata da criação do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher (Lei 2.250/2009).
Inoperância
Apesar de nove dos 15 vereadores da cidade já terem participado da criação de, pelo menos, um projeto de lei (PL) voltado ao gênero feminino, praticamente nenhum deles chegou a virar lei de fato.
Também há diversos programas dos partidos que preveem a implantação de leis e políticas públicas para mulheres. Um exemplo é o programa “Mais Mulheres no Poder”, do Partido Socialista Brasileiro (PSB), que está inserido dentro do Manifesto do partido. O vereador Ronaldo Bento (PSB) foi o segundo vereador mais votado nas eleições municipais de 2020 e ao ser questionado pela pouca quantidade de projetos apresentados por ele - há apenas dois - voltada para as mulheres, mesmo com o programa de seu partido, disse o seguinte:
“As proposições do vereador não estão somente voltadas ao que você vai ver no site (projeto de lei). Ele precisa de indicação, de requerimento, tudo voltado para todos eixos que defendemos. Não quer dizer que as pessoas não veem, que você não tem interesse na defesa da causa. Muito pelo contrário”, afirmou Bento.
Assim como seus companheiros homens, a vereadora Sônia Azzi (União) - única mulher eleita nas eleições municipais de 2020, em Mariana - também conta com poucos projetos voltados para as questões de gênero. Dos 15 propostos durante seu mandato, apenas três são voltados às mulheres. A vereadora foi procurada diversas vezes pelo Lampião para falar sobre sua perspectiva em relação a baixa representatividade feminina na Câmara de Mariana. Entretanto, até a conclusão da reportagem, não obtivemos retorno.
Já no município ao lado, as coisas parecem ter perspectivas melhores. Ouro Preto também tem apenas uma vereadora dentre os quinze eleitos e um Conselho Municipal de Direitos das Mulheres que está ativo. Criado em 2017, a partir da pauta para criação da delegacia especializada para mulheres, o conselho se tornou uma forma de trazer as mulheres civis para dentro do espaço político da cidade.
Galeria de todas as vereadoras eleitas da Câmara Municipal de Ouro Preto ao lado fica a galeria
dos presidentes da Câmara | Foto • Eduarda Dias
Um Olhar de Esperança
Para Débora Queiroz, ambas cidades não contam com políticas públicas voltadas ao gênero feminino. E isso se deve principalmente à falta de interesse do poder público. Já Lilian França (PDT), a única vereadora eleita em Ouro Preto, acredita que essa baixa representatividade não seja limitada apenas à região, mas sim “geral” do cenário político. Para ela, o problema da pouca quantidade de políticas públicas é resultante da baixa procura de mulheres interessadas em participar na política.Com isso, surge a questão: como trazer as mulheres para esse espaço?
Alexandre Bahia reitera que não basta apenas haver mudanças na legislação, é preciso que o governo invista em políticas públicas educacionais. Uma maneira de pensar nisso é através de palestras e semanas de conscientização nas escolas. Assim como o professor, Débora Queiroz também acredita que deve haver um incentivo na educação para que seja possível ver mais mulheres na política. “Se nós mulheres nos anularmos, alguém vai entrar no nosso lugar. Se as mulheres não votarem em si mesmas, como vamos conseguir reverter essa situação histórica?”, questiona.
Além disso, ela frisa a importância de que, para fazer política pública de fato, é preciso de dinheiro, um conselho, uma legislação e entender a realidade da cidade. Um passo para isso é discutir as diferenças subjetivas, de etnia, de orientação sexual, de classe e de gênero.
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