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Diversidade demográfica em foco: Mariana e seus fluxos populacionais

Atualizado: 29 de nov. de 2023

A concentração populacional em Mariana e movimentos e fluxos populacionais.


Por Cristiano Brito e Eliade Lisboa


Ponto de ônibus cheio em Mariana I Foto: Cristiano Brito

#PraTodosVerem: Carro de empresa sujo de lama na frente de um ponto de ônibus localizado no centro de Mariana. No ponto há muitas pessoas.


A cidade de Mariana abriga diferentes fluxos de contingentes populacionais. O Lampião já abordou a estimativa de população excedente em uma reportagem de junho desse ano. Voltamos a esse tema para discutir quais são os impactos que o fluxo populacional da cidade causa na vida cotidiana dos marianenses e como os moradores lidam com diversos problemas como, dificuldade de acesso à moradia e ao transporte.


Definições claras: A população flutuante segundo o IBGE


A definição correta de população flutuante, de acordo com o IBGE, é: toda aquela população que reside de um a três meses num local, no qual vive por um período de tempo programado, para então retornar para sua residência de origem em recesso ou férias, com a expectativa de volta para suas novas residências.



As pessoas que compõem a população flutuante fixam residência por um período de tempo determinado pelas relações de trabalho e/ou estudos, tornando, ao longo deste intervalo, tal residência como seu principal endereço até o retorno previamente programado às suas cidades de origem. Esses movimentos de idas e vindas podem se repetir por vários meses, e é justamente isso que caracteriza a flutuação populacional. Diferente do turista, por exemplo, que deixa sua residência fixa por um curto período com expectativa de retorno efetivo.

 A Superintendência Estadual do IBGE em Minas Gerais declara: "Morador é a pessoa que: a) tem o domicílio como local habitual de residência e nele se encontrava na data de referência; ou b) embora ausente na data de referência, tem o domicílio como local habitual de residência, desde que a ausência não seja superior a 12 meses pelos motivos que veremos a seguir: b.1) viagem a passeio, a serviço, a negócios, de estudos etc.; b.2) afastamento de sua comunidade tradicional por motivo de caça, pesca, extração vegetal, trabalho na roça, participação em festas ou rituais; b.3) internação em estabelecimento de ensino ou hospedagem em outro domicílio, pensionato, república de estudantes, visando facilitar a frequência à escola durante o ano letivo; b.4) detenção sem sentença definitiva declarada; b.5) internação temporária em hospital ou estabelecimento similar; e b.6) embarque a serviço (militares, petroleiros)."

Cidadãos que trabalham numa cidade, mas que residem em outra, não fazem parte da população flutuante, e sim de um grupo de pessoas que praticam êxodo trabalhista, ou seja, o deslocamento de uma cidade até outra, por conta, estritamente, de suas atividades profissionais. Também é importante frisar que as pessoas que praticam o êxodo trabalhista não são contabilizadas como parte da população total de uma cidade, nem tampouco consideradas como parte da população flutuante.


Movimentos populacionais estudantis e de atividades de mineração


Considerando a população de Mariana, as atividades acadêmico-estudantis e de mineração configuram-se como relevantes provedoras dos contingentes populacionais excedentes. De acordo com dados fornecidos pela Pró-Reitoria de Assuntos Comunitários e Estudantis (PRACE), órgão responsável pela manutenção das condições de acesso e permanência aos estudantes da Instituição da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), o número total de alunos regularmente matriculados na instituição é de 11.098.


O número de alunos regularmente matriculados nos campi localizados na cidade de Mariana é de 2.314 alunos. Somam-se a esses números, professores, técnicos administrativos e demais pessoas vinculadas à UFOP que, assim como os estudantes, em muitos casos, não podem ser contabilizados em termos de população flutuante em razão de regimes de mobilidade diversos, a exemplo dos que se deslocam para Mariana para trabalhar e retornam aos seus domicílios em outras cidades. Todas essas especificidades das atividades produtivas e da circulação de pessoas concorrem para a dificuldade de definição da população flutuante e de sua diferenciação de fluxos trabalhistas e estudantis.


Em relação às atividades produtivas vinculadas à mineração, a título de exemplo, foram consultadas as empresas Renova e Samarco. Segundo a Assessoria de Comunicação da Fundação Renova, o número total de trabalhadores registrados na empresa é de 6.607. Porém, 60% desses funcionários são nativos, sendo 3.965 moradores da região de Mariana. Conforme as informações disponibilizadas pela fundação, o número de funcionários contratados que se mudaram para a cidade para trabalhar é de 2.642 pessoas.


A Samarco possui um total de 9.060 empregados na unidade de Germano, em Mariana, sendo aproximadamente 900 da empresa e 8.160 terceirizados. A Assessoria de Imprensa da empresa informa que “a Samarco prioriza a contratação da força de trabalho dos territórios onde atua para aumentar as chances de inserção dos profissionais das comunidades da região, bem como gerar o desenvolvimento para os municípios de influência direta e reduzir os impactos sociais”.


Além das atividades acadêmico-estudantis e vinculadas à mineração, Mariana também se revela em outros aspectos de sua urbanização que não são captados como contingentes flutuantes a exemplo do transporte público, acesso aos sistemas de saúde pública, valor de aluguéis, prestação de serviços e outros.


Conforme apontado na reportagem de junho, a cidade sofre com o transporte público. Seu Júlio, morador de Mariana, relata que circular nos ônibus após a implementação do TARIFA ZERO se tornou uma experiência ruim. Ele, que possui dificuldades de locomoção por conta de uma enfermidade na perna, afirma que algumas pessoas usufruem do programa para se deslocar entre distâncias muito curtas devido a gratuidade, e isso acaba gerando muito desconforto para pessoas que dependem da utilização desses ônibus para percorrer longas distâncias.



Morador de Mariana, Seu Júlio | Foto: Cristiano Brito

#PraTodosVerem: Na foto um homem negro vestindo camisa branca com listras pretas está ao centro. No fundo, há carros passando na rua.


Em relação à saúde, o morador afirma que apesar do tempo de espera ter aumentado um pouco, ainda é feito um atendimento de qualidade. De acordo com Geraldo da Silva, um morador do bairro Rosário, o acesso gratuito ao transporte é muito bom, excluídos horários de pico, já que a cidade fica congestionada:


(OLHO) “Eu acho excelente pelo fato de ser gratuito, só acho que eles poderiam repensar a quantidade de ônibus em horários de pico, principalmente para os bairros periféricos como o Cabanas. São poucos ônibus então eles acabam ficando lotados”.


Ônibus lotado circula em rua de Mariana | Foto: Cristiano Brito

#PraTodosVerem: Ônibus cheio transita na rua do Catete, em Mariana. O ônibus é amarelo com duas faixas vermelhas na lateral e faz parte do programa tarifa zero.


Moradia, um problema recorrente


Na reportagem publicada em junho, o fundador da Associação Nossa Casa, Erenildo Euzébio, foi questionado sobre problemas de acesso à moradia na cidade. Retomamos o nosso contato com ele para entender o contexto contemporâneo marianense e o que mudou desde a publicação da última reportagem. A associação surgiu como uma iniciativa dos moradores da cidade para discutir o aumento dos preços dos aluguéis e pressionar o poder público para propor soluções. Para ele, não houve uma melhora desde então no acesso à moradia:


(OLHO) “Eu até diria que deu uma leve piorada, e agora entrando na época de chuva, piora ainda mais. Porque muitas pessoas saem de suas casas, porque elas começam a apresentar problemas, já que além do aluguel aqui ser caro, as casas também são de baixa qualidade, casas em porões, e etc”, declarou


A percepção geral que a Associação Nossa Casa apresenta é que houve um aumento expressivo no valor dos aluguéis, tanto pela rotatividade de pessoas na cidade, quanto pelas flutuações da população.


Em uma pesquisa realizada pelo Portal da Cidade de Mariana, a variação dos valores dos aluguéis na cidade sofreu um aumento acelerado a partir de 2021. A população flutuante também é afetada, já que precisa se ajustar aos preços elevados da cidade. Camily Eduarda, é um exemplo disso, veio de Alvinópolis, Minas Gerais, para estudar no curso de Administração, na UFOP, mas enfrentou problemas para se manter na cidade com o retorno das aulas após a pandemia.


A universitária deixou Mariana no início de seu curso por conta do isolamento social causado pelo surto de Covid-19, e quando retornou, em março de 2022, os preços dos aluguéis já haviam sido reajustados, resultando em uma busca longa e cansativa por uma moradia com valor de aluguel acessível. Restou para ela, dividir uma casa com outras três colegas no Alto Colina, bairro distante da universidade. Os altos preços e a falta de casas precarizam os contratos de aluguel e as condições de moradia.


A cidade ainda sofre com a falta de secretarias e órgãos públicos específicos que cuidam e tratam da urbanização da cidade. “Nós temos a Secretaria de Obras, a Secretaria de Desenvolvimento Social, a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, e infelizmente não temos a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação, e eu acho que deveria ter, dado que isso é um problema gravíssimo no município”, explica Erenildo.


Para ele, o mercado imobiliário é muito burocrático e exige muitas informações, desde um conhecimento ambiental da cidade, até um projeto urbano específico que atende a infraestrutura e necessidades individuais do local, algo que os moradores sozinhos não conseguem calcular.


(OLHO) “Então somente o Estado, no caso, a Prefeitura, que representa o Estado, tem condições de tocar um programa habitacional, e de ter uma visão ampla do problema, e apresentar soluções, pelos seus recursos financeiros e pelos seus recursos humanos”, esclarece.


Erenildo ainda relata que a maior diferença do ano passado para agora é a volta do Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), que havia sofrido um desmonte desde 2016, além de ter sido reformulado e recebido um corte bilionário, durante os anos de 2019 a 2021, totalizando 98% do seu orçamento. O MCMV, além de ser o maior programa habitacional do Brasil, é essencial para que pessoas em situação de baixa renda adquiram um imóvel, e foi retomado em fevereiro deste ano.


A violência na cidade também é impactada pelo aumento populacional. A sensação de segurança da comunidade é afetada, como declara a moradora nativa da cidade, Lourdes Zacarias.


“Sair depois das 7 horas da noite eu já fico um pouco cabreira...Em todo lugar está tendo essa violência. Antigamente, na cidade, você podia andar à noite, uma hora da manhã sem nenhum problema. Hoje não. Hoje já traz um certo medo”.

“Eu acho que dá pra perceber um aumento [populacional] porque eu frequento Mariana desde 2016 e já estava em alta, a população já estava crescendo nessa época. Eu percebo que tem muito mais gente circulando pelas ruas, independente do horário e muito mais gente pela cidade”, comentou o jornalista Gustavo Arcanjo Ferreira.


Confira o povo fala feito por nossa equipe com os moradores de Mariana:


Essa percepção de alguns dos moradores de Mariana é consonante com a perspectiva nacional acerca do tema. De acordo com dados levantados em 2021 pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) e divulgados pelo IBGE, mais da metade dos brasileiros se sentem inseguros em andar nas ruas durante a noite: 51,7% de brasileiros, o que corresponde a um número equivalente a 110,638 milhões de pessoas, deixam de frequentar as ruas das cidades brasileiras por medo de terem sua integridade física, moral e/ou psicológica violentadas.


Diante de tantos aspectos abordados dos contingentes populacionais, é importante considerar que existem fluxos de pessoas e serviços que não são definidos como flutuantes nos paramêtros do IBGE. A produção de lixo, consumo de energia, transporte público e outros revelam que esses movimentos migratórios nos entornos da cidade e em seus processos de urbanização.

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