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Desafios e alternativas encontrados por empreendedoras em Mariana

Atualizado: 24 de nov. de 2023

Da falta de auxílio governamental à luta e esforço constante das profissionais.


Por Maria Clara Soares e Yan Ribeiro


Colagem com as empreendedoras que aparecem na reportagem | Foto: Bruno Souza Oliveira

#Pratodosverem: A imagem tem um fundo de jornal amassado, em frente, recortes de cada uma das pessoas que foram entrevistadas, ao todo são sete pessoas. No centro superior, a logo do jornal Lampião em amarelo, com um contorno amarelo e vinho.


O número de mulheres empreendedoras cresce a cada ano. No Brasil, segundo a última pesquisa do Sebrae, de 2021 para 2022, o número chegou a 10,3 milhões, o que corresponde a 34% do total de empreendedores do país. Embora ainda seja menos da metade, é um grande avanço para a sociedade em que vivemos, na qual ainda existe pouco incentivo para as mulheres entrarem nesse mercado.


De acordo com a professora Carolina Saraiva, 47, coordenadora do Observatório em Crítica, Formação e Ensino de Administração da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), um dos fatores de acentuação da desigualdade de gênero é o histórico da mulher no Brasil.


“Não há muito tempo, as mulheres tinham várias restrições como cidadãs… por exemplo, não podiam ter um negócio e eram consideradas parcialmente incapazes pela lei… e a lei representa um pensamento social, político e econômico de determinada localidade em determinada época, então era esse o contexto em que as mulheres estavam inseridas. É tudo muito recente, a emancipação socioeconômica feminina tem pouco tempo, então ainda carregamos muitos desses preconceitos, principalmente porque ainda tem muita gente das gerações antigas no poder… gerenciando empresas e etc”, afirma a professora.

Ela também conta como, há poucos anos, a questão da ascensão da mulher nem era discutida:


“No final da década de 90, quando eu fiz faculdade de administração, essa pauta nem era abordada. Não crescemos falando de mulher no poder e, junto a isso, vem uma justificativa que tenta, ainda, explicar, em pleno 2023, as diferenças cognitivas e atitudinais das mulheres em relação aos homens com diferenças hormonais e biológicas, como se a mulher tivesse limitações em relação ao homem.”

Devido a essa estrutura que perpetuou ao longo dos anos - as mulheres, muitas vezes, são limitadas e restringidas socialmente a permanecer na esfera doméstica, cuidando da família e dos afazeres da casa. Tal fato ocasiona diversos problemas a elas: dependência financeira e/ou emocional dos parceiros (em sua maioria, homens), frustração com a própria carreira, dificuldade de crescimento pessoal e profissional, entre outros.


“Apesar das pesquisas constatarem que, em geral, o grau de escolaridade da mulher é superior ao do homem, as perspectivas de carreira delas são limitadas, o que provoca o fenômeno de demissão voluntária, que é quando a mulher se demite para cuidar da família. Isso, além de provocar uma dependência financeira do marido, gera um problema na carreira, porque quando ela quiser voltar ao mercado de trabalho - geralmente, quando os filhos crescerem - ela já volta mais velha, sem experiência profissional e ganhando menos”, explica a pesquisadora.

Essa defasagem das mulheres no mercado é extremamente prejudicial, uma vez que elas têm muito a acrescentar ao empreendedorismo, mas, geralmente, encontram empecilhos para ascender nesse mercado. “Nas minhas pesquisas em gênero, pude perceber que ainda existe muito preconceito em relação às mulheres nesse espaço, o que é contraditório, já que o relatório da ONU de 2022 indica que as organizações que têm mulheres no poder em geral são mais lucrativas”, confirma Saraiva.


Em Mariana - cidade integrante da Região dos Inconfidentes - a situação não é diferente, o descaso com a questão da mulher no empreendedorismo é tanto que faltam até dados concretos na prefeitura - especificamente na Secretaria de Desenvolvimento Econômico - e na Associação Comercial Industrial e Agropecuária de Mariana - ACIAM Mulheres sobre o número de trabalhadoras. Essa ausência de informações também diz sobre a falta de auxílio por parte do governo local, uma vez que, não haver, ou haver poucos dados que mapeiem esse mercado é um fator que dificulta a criação de políticas públicas de incentivo e amparo a essas empreendedoras.


É o que conta a proprietária do Axé Donuts, Thainara Fernanda da Silva Castilho, 27 anos:


“Tudo o que precisamos, temos que correr atrás dobrado… são raros os projetos que ajudam a gente com consultoria e burocracia. É bem difícil. Falta apoio aos pequenos empreendedores… o mercado em geral é muito instável, sempre nos apegamos a datas comemorativas para conseguir um lucro maior, mas talvez se tivéssemos algum incentivo, conseguiríamos estabilidade e uma economia girando bem o ano todo.”

A empreendedora também complementa que teve de recorrer ao auxílio de outras instituições:


“Nós nos apoiamos na Feira Noturna e por meio dela, por exemplo, fizemos o curso da vigilância sanitária… porque nos juntamos e fomos atrás. No dia em que a moça da vigilância veio aqui, ela nos ajudou a arrumar nosso cadastro e ensinou uma coisa simples no site da receita, mas quando ligamos na prefeitura, ficavam passando a gente de ramal em ramal e não resolvia. Poderia ter alguém ou alguma secretaria que nos oferecesse esse apoio, até porque tudo o que precisamos abrir e registrar, temos que nos comunicar com a prefeitura. Queremos crescer e expandir, mas isso dificulta um pouco”

Além desses desafios, Thainara e Erica Verena da Silva, 29 - sua noiva e sócia - encontraram também empecilhos relacionados a sua cor e orientação sexual, visto que, como mulheres negras e pertencentes ao grupo LGBTQIAP+, tiveram que ultrapassar diversas barreiras de discriminação para crescer em seu negócio.


“Sabemos que temos que fazer duas vezes mais, as pessoas se incomodam em ver mulheres pretas crescendo e vendendo um produto 100% americano. No dia a dia, tem gente que torce o nariz quando vê que somos as donas, ou que não compra os produtos porque não acredita no nosso potencial”, afirma Thainara.

Verena também complementa:


“Como mulheres pretas, temos que estar com tudo regular em relação à documentação e limpeza, porque sempre recebemos a vigilância sanitária, especialmente quando começamos a ter mais visibilidade e acesso. Esse ano em que viemos para um espaço profissional, recebemos mais visitas da vigilância do que nos últimos 3 anos em que trabalhávamos em casa. As pessoas não gostam de ver mulheres pretas crescendo e empreendendo.”

Por saberem como é a exclusão do mercado, as profissionais adotaram a política de contratar preferencialmente pessoas negras e pertencentes ao grupo LGBTQIAP+ para a equipe, com a intenção de, segundo Erica, “dar oportunidade a quem, muitas vezes, não tem”.


Além disso, o empreendedorismo tem uma importância além da financeira para essas duas: foi por meio dele que se conheceram e estabeleceram sua relação afetiva. Thainara conta que, quando estava começando a empreender, passou pela Feira Noturna vendendo brigadeiros e, ali, viu Erica trabalhando na barraquinha de crepes, seu antigo negócio. “Foi amor à primeira vista”, afirma, entre sorrisos, a empreendedora apaixonada.


Assim como Thainara e Erica, Edriana Arlinda Calixto, 47, proprietária do Edriana Mais Sabores, reclama da falta de assistência do município:


“O mercado de Mariana abre portas para quem é de fora, mas para a gente que é daqui mesmo, não. Temos que pagar caro para montar a barraquinha em festas, não recebemos auxílio em nada e isso dificulta nosso crescimento… ainda mais que o mercado é muito instável, tem meses que são bons e outros que, nem tanto.”

A empreendedora, nascida e criada em Mariana, conta que iniciou sua vida nesse mercado quando teve seus filhos. Mãe de Vitalina Calixto, Ismael Gonçalves, Ester Gonçalves e Vitor Gonçalves, ela encontrou-se em uma situação de vulnerabilidade social, que precisava de uma solução:


“Eu tinha uma vizinha que mexia com salgado e me levou para o empreendedorismo, ela me emprestou 20 reais para eu comprar os ingredientes: comprei um pacote de banha, um peito de frango, um pacote de farinha e uma caixa de isopor. Comecei a vender na rua, nos sinais, supermercados… trabalhei 4 anos na rua. Depois, quando eu já tinha meus clientes, aluguei um ponto com a minha filha, aí eu fiquei com a parte dos salgados e das marmitex, e ela com os doces e bolos.”

Por pensar no próximo em relação à questão da fome, Edriana conta sobre seu sonho em relação a expandir seu negócio e, ao mesmo tempo, ajudar as pessoas:


“Meu sonho era ter um restaurante popular. Por enquanto, temos o marmitex popular, de 10 reais, porque muita gente come um salgado, porque não tem o dinheiro para a comida, então eu consegui esse preço mais acessível.”

Quando questionada sobre o incentivo para continuar nesse ramo, a profissional responde:


“Meu maior incentivo é ver o quanto evoluí… onde já cheguei, até como pessoa mesmo. Antes eu era tímida, já hoje em dia eu adoro conversar com meus clientes e converso com todo mundo. (...) A casa que eu moro também foi construída do jeito que eu quis… meu banheiro é do tamanho do quarto que a gente dormia antigamente, não tem nem comparação com a vida que eu levava antes. É isso que me dá forças para continuar.”

De maneira semelhante, começaram Cristiane de Jesus Silva, 39, e Emília Evaristo Cotta, 52, empreendedoras do negócio Cotta e Silva. Após uma trajetória de vida longe desse mercado - Cris trabalhou a maior parte do tempo como doméstica, enquanto Emília, no comércio - decidiram começar no empreendedorismo. Casadas há 1 ano, as profissionais tinham o desejo de crescer profissionalmente:


“Eu aprendi a fazer empadinhas com 17 anos, meu pai era empreendedor… Então, expus a ideia para Cris e ela, que sempre me apoia, embarcou nisso comigo”, diz Emília.

Com 18 reais e 20 centavos - emprestados da vizinha - elas deram início ao seu negócio. “Compramos o material para uma receita de empada, e ali fizemos a primeira receita, depois fomos multiplicando”, conta a empreendedora. Ela também expõe sua maior dificuldade: vender. Embora tenha nascido em uma família que tinha contato com esse mercado, Emília conta que “o costume lá em casa era dar… as visitas chegavam e a gente ao invés de vender, dava. Por isso, sempre tive muita dificuldade em lucrar com o que eu fazia. Foi preciso muita conversa e vários cursos até eu pegar o jeito”.


Cris também complementa, contando mais alguns dos obstáculos que passaram:


“Não é fácil começar um empreendimento sem entender desse mercado, não sabíamos nada sobre lanches, modo de armazenamento e precificação. No início, parecia que tudo impedia que nós prosperássemos. Toda vez que pensávamos em algo, ou íamos fechar um contrato, eu pegava covid e tínhamos que parar tudo… tive covid 3 vezes.”

Nesta época, o que não faltou foram barreiras. “Em 2020, compramos refrigerantes, cervejas e pipocas para vender no carnaval, só que choveu os 4 dias. Conseguimos pagar tudo o que compramos e não ficamos devendo para ninguém, mas não tivemos lucro”.


Atualmente, as empreendedoras trabalham no Comercial São Gonçalo e conciliam com o negócio próprio. Elas vendem empadinhas, lanches, porções e, agora, inovaram com o algodão doce no pote, que é uma ótima opção para decorar mesas de aniversário. Como é perceptível, a produção já expandiu bastante e pretendem aumentá-la ainda mais: “Nós acompanhamos a tendência, o que estiver fazendo sucesso no ramo alimentício, nós fazemos”, afirma Emília.


Quando questionadas sobre qual o desejo delas como profissionais, responderam que querem crescer cada vez mais e almejam ser reconhecidas não só pelo trabalho, mas também pela trajetória e por serem quem são.


No final da entrevista com as empreendedoras, a equipe que realizou esta reportagem ganhou deliciosas empadas para saborear, comprovando - sensorialmente - o que Emília disse sobre ter o costume de gostar muito de ofertar seus produtos.


Já Cícera Marinho de Souza, 50, artesã e residente de Padre Viegas, conta o contexto que a levou a entrar para o mercado do empreendedor:


“Eu trabalhei como recepcionista em um hospital, em uma pousada… mas minhas filhas gêmeas começaram a crescer, e eu queria estar mais presente para elas. Por isso, decidi trabalhar em casa com costura, mas eu precisava me capacitar. Daí, comecei a fazer alguns cursos e fui me apaixonando por essa arte.”

A empreendedora vende bolsas, ecobags, panos de prato e sousplats de mesa, e tudo com um diferencial: o perfume especial que apenas os produtos dela têm. Além disso, Cícera é integrante do grupo “Marianas Mulheres que Inspiram”, e conta como a associação foi positiva em sua carreira nesse mercado:


“Entrei por causa da minha filha mais velha, a Mayara, que tem uma papelaria e já fazia parte do grupo (...) As Marianas foram essenciais para mim, elas só levam a gente para cima… me fizeram acreditar em mim mesma, que eu era capaz de realizar o que eu queria e que, de qualquer forma, eu teria uma rede para me apoiar.”

Quando questionada sobre como a associação funciona, Cícera respondeu que “uma conhece e apresenta o trabalho da outra: se alguma delas precisa do produto que eu vendo, dá preferência para comprar de mim ao invés de um comerciante externo”.


As “Marianas Mulheres Que Inspiram" é um grupo, fundado em 2020 pela presidente da Central Única de Favelas (CUFA), Marciele Delduque, que visa a acolher e a impulsionar as mulheres que foram afetadas - direta ou indiretamente - pelo crime ambiental do rompimento da barragem. A associação serve como uma rede de apoio, onde as empreendedoras vinculadas recebem capacitações, consultorias financeiras, atendimento psicossocial, além de encontrar um amparo para desenvolver seus trabalhos, aumentar o número de clientes e criar parcerias.


Naquele cenário de vulnerabilidade e crise financeira, o movimento que surgiu entre as profissionais foi de extrema importância para auxiliar no fortalecimento pessoal e econômico das mulheres afetadas e da cidade. O grupo iniciou com uma média de 15 mulheres, em uma conversa na varanda da casa de Marciele. O sucesso foi tanto, que, atualmente, conta com mais de 1400 integrantes.


Mas, apesar do apoio, nem tudo são flores. “Empreender não é fácil, ainda mais sendo mulher: tenho que conciliar cuidar da casa, da família e do negócio, é bem difícil… cada dia eu luto pra ser positiva, para manter no meu pensamento que sou capaz, que vou conseguir vender e agradar meu público”, afirma Cícera.


Denise Passos, 41, entrou nesse mercado por uma razão um pouco distinta das outras empreendedoras: ficou entre a vida e a morte no parto de seu filho Bernardo, 8, com um quadro grave de eclâmpsia e AVC. Após se recuperar, refletiu que a vida é muito curta e frágil para não viver seu sonho, e foi aí que decidiu se arriscar no ramo do empreendedorismo e, de fato, viver o que almejava. Hoje, proprietária da clínica de psicopedagogia DENBER, ela tem orgulho de tamanha coragem:


“Empreender é desafiador, a região aqui é muito limitante… ainda mais sendo mulher: há muitos pensamentos machistas em relação a isso. Mas apesar de tudo, tenho certeza que a decisão que eu tomei foi a melhor, eu voltaria atrás e faria tudo de novo.”

Denise também conta que, em sua trajetória, encontrou muitas portas fechadas por ser mulher. “As pessoas não me davam muita credibilidade… não acreditavam no meu potencial, acredito que por eu ser pequena e ter uma baixa estatura, achavam que eu era muito frágil e não ia dar conta do serviço (...) Aí, hoje, quando eu passo em frente a esses estabelecimentos, eu comento com o Bernardo ‘Tá vendo, filho, as pessoas nesse lugar não acreditavam que a mamãe era capaz’.”


E contando sua experiência profissional, ela deixa claro que não foi a única a sofrer esse tipo de exclusão:


“O mercado de trabalho aqui é muito fechado, eu contratei estagiárias que estavam tentando emprego há 10 anos. Acredito que tem mercado de trabalho para todo mundo, cada um com a sua especialização e essência, eu dei essa oportunidade porque eu sei que é muito importante alguém acreditar em você, e o mercado às vezes é cruel”.



Infelizmente, assim como Denise, Thainara, Erica, Cristiane, Emília, Edriana e Cícera, temos inúmeras outras empreendedoras que precisam enfrentar barreiras e preconceitos para adentrar nesse mercado. Tal dificuldade explicita o quanto a questão do gênero, raça e orientação sexual interfere diretamente no acesso a certos privilégios, espaços e especializações.


Por isso, o apoio governamental às mulheres empreendedoras com instituições e órgãos eficazes de auxílio é extremamente importante, para tentar reduzir essa discriminação social e atingir mais equidade no mercado.


Nossa equipe de reportagem entrou em contato com a Prefeitura de Mariana para esclarecer as denúncias apresentadas pelas entrevistadas, relacionadas à falta de incentivo do poder público ao empreendedorismo feminino, mas não obtivemos resposta até o fechamento desta reportagem.


Contato das empreendedoras:

Edriana: @edrianasabores - salgados e marmitex

Cristiane e Emília: @hamburgueria_cottaesilva - empadas, hambúrgueres e porções

Thainara e Erica: @axedonuts - donuts

Cícera: @ateliedacissa - artesanatos e costuras para casa


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