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Movimentações culturais na paisagem estética de Mariana

Atualizado: 9 de ago. de 2023

Em meio a casarões históricos e ruas com calçamento irregular, diferentes grupos manifestam seus gostos por meio da estética


Jardim de Mariana, espaço de união entre os moradores e os coletivos urbanos da cidade | Foto • Marcos Moreira

Cassiano Lucas e Marcos Moreira


Conhecida por ser a primeira capital de Minas Gerais, a cidade de Mariana abrange uma vasta riqueza e diversidade cultural que vai além dos marcos históricos do ciclo do ouro. Estão presentes na cidade uma constelação de indivíduos que, além de clamarem por se expressar, buscam fazer cada um à sua maneira.


O popular Jardim de Mariana, um dos principais pontos turísticos do município, é um desses ambientes compartilhados onde fica evidente o modo como os grupos urbanos estão organizados e distribuídos em diferentes localizações do espaço. Antes da revitalização da praça, obra concluída em 24 de julho de 2021, era fácil perceber, além da diversidade visual, a distinção por classes sociais e preferências, permitindo a cada grupo ocupar certos ambientes e frequentar os eventos destinados a eles.


Em uma rápida observação visual no horário de maior movimento, percebia-se que a frente da praça para a rua Dom Viçoso, em ambos os lados da via, era ocupada principalmente por estudantes que buscavam os bares e lanchonetes da região para consumir bebidas e petiscos rápidos. Mais ao centro da praça, famílias aproveitavam o ambiente para passeios, em especial com crianças e visitantes. Ao fundo, no último terço do Jardim, os grupos periféricos da cidade tinham seu espaço para expressar sua cultura, como a Batalha das Gerais, famoso duelo de Rap.


Algo bem recorrente e comum aos grupos que ocupam esse espaço é a singularidade dos estilos que eles incorporam em sua estética e comportamento. O uso da moda vai além das roupas e, como instrumento de identidade e identificação, ela integra gostos e compartilha sentimentos.


RAPPERS

O artista Rich Braza em uma das edições da Batalha das Gerais, em Mariana | Foto • Batalha das Gerais/Reprodução

O Rap, estilo musical e representação artística, é um movimento social que faz uso de rimas, poesias e dialetos para manifestar desejos e inquietações, além de retratar o contexto dos povos periféricos nas cidades. A Praça Gomes Freire recebia as edições da “Batalha das Gerais” desde 2014, local onde se revelaram talentos. O ativista cultural e participante da “batalha”, Pedro Mol, ou “Rich Braza” como é conhecido no cenário, explica os motivos pelos quais a “batalha” parou de acontecer no Jardim de Mariana.


“A falta de incentivo à cultura marginalizada do município e as consequências da pandemia de Covid-19 fizeram com que tivéssemos que buscar recursos próprios para continuar com a Batalha das Gerais. Os julgamentos e pedidos dos moradores dificultaram a permanência do evento no espaço”, evidenciou.


Felizmente, o dia primeiro de abril de 2022 ficou marcado pelo retorno da Batalha das Gerais à Praça Gomes Freire, considerada um lar pelos artistas. Após deixarem o local, o grupo de afeto passou a usar a pista de skate, a Praça dos Ferroviários e a Praça Minas Gerais para a continuidade das atividades. Tendo o respeito a todos, a disciplina, a celebração à cultura e a felicidade como valores essenciais e indispensáveis, o grupo conquista novos adeptos por onde se apresenta, rompendo com parte dos estereótipos criados sobre ele.


SKATISTAS

Skatista Alexandre Maia realizando manobra na pista de skate em Mariana | Foto • Marcos Moreira

Um dos públicos que integrava o Jardim e que compõe a paisagem estética de Mariana é o grupo dos skatistas. Com um dialeto próprio, manobras únicas, tatuagens e roupas que expressam a arte e a cultura na qual estão inseridos, esses indivíduos, em sua microesfera, as pistas de skate, e, nos pontos de concentração de pessoas da cidade, exibem vestimentas com referências à bandas nacionais e internacionais e a atletas renomados da modalidade, além de calçados imponentes destinados à prática do esporte e personalizações nos shapes dos skates.


Por trás de um estilo cheio de referências e significados, esse grupo sofre com os estereótipos impostos pela sociedade e retrata uma situação pouco conhecida dos moradores do município, causando o abandono desse grupo e desses ambientes, já que seus membros não se viam integrados a esses espaços.


O skatista Wadrian Valdemar revela um dos motivos de ter deixado de frequentar o Jardim. Responsáveis pela manutenção da ordem social na cidade, os guardas municipais advertiram os skatistas sobre o uso do espaço para a prática da atividade, por vezes em tom autoritário, ameaçando tomar os skates, mesmo quando os jovens apenas atravessavam o local.


SPORTLIFES

Igor Varejano veste camisa do Ajax, edição especial em homenagem a Bob Marley | Foto • Igor Varejano

Distribuídos pelas quadras poliesportivas e pelos espaços públicos de Mariana, os amantes dos esportes, em especial do futebol, por meio da possibilidade de assistirem aos jogos em estabelecimentos localizados no Jardim, encantam a população do município com as camisas dos principais clubes do mundo. Esses cidadãos integram um dos movimentos característicos das comunidades periféricas brasileiras, que proporciona aos usuários a liberdade de expressão e que reflete as dificuldades e o estilo de vida dos moradores dessas localidades, reforçando a identidade visual e seus grupos de pertencimento.


As camisas de futebol deixaram de ser apenas uma peça para ir aos estádios, ou para acompanhar o time em frente à televisão, e passaram a compor os mais variados outfits. Como forma de evidenciar a transição dessa cultura pelo país, o escritor e produtor de conteúdo esportivo, Igor Varejano, enaltece a importância da valorização da identidade pelas marcas. “Hoje em dia, as marcas focam em um lado mais artístico, de design. Mas tem a questão da identificação da pessoa com o esporte, como achar interessante a história do time, achar o símbolo bonito, achar as cores bonitas”, declarou.


ROCKEIROS

Thiago Nepomuceno, proprietário da Bar-bearia Rock 'n' Roll, em seu ambiente de trabalho. | Foto • Cassiano Lucas

Apesar de Mariana ser uma cidade histórica e com tradições religiosas, apresenta em sua pluralidade estética o grupo de apreciadores do Rock’n Roll. Emergindo como um movimento e um fenômeno cultural, esse coletivo urbano emprega a moda como uma forma de atitude e liberdade. Ao ser perguntado sobre o modo como a população marianense passou a compreender as diversas estéticas presentes na cidade, o estudante de Administração e admirador do rock, Willian de Oliveira, destacou: “A sociedade está abraçando cada vez mais a diversidade de estilos e também de um contexto geral”. Demonstrando a transição comportamental dos moradores da cidade frente à pluralidade da paisagem estética de Mariana, entre os dias 26 e 28 de agosto de 2022, ocorreu, na Praça Gomes Freire, o encontro de motociclistas com estéticas voltadas para o rock, com programação musical destinada aos apreciadores do estilo.


O rock é um gênero musical, mas engloba inúmeros estilos e personas do nicho, sendo mais versátil do que se imagina. Os estereótipos criados pela sociedade em torno desse público são deixados de lado quando se estabelece uma relação mais intensa com a cultura. “Sem deixar de lado tendências, ciclos, bandas, mídias, qualquer tipo de fonte que sirva de inspiração e também do que está no mercado disponível para compra, somando tudo isso, e isso não é uma regra: camisetas de bandas, roupas em tons escuros, combinações de cores fortes e claras, jeans, couro, cabelo comprido, cabelo alternativo, acessórios como pulseiras, braceletes, colares, anéis em metais; determinado tipo de barbas e, nas mulheres, determinados tipos de maquiagem. Se pegar um pouco desses elementos, dá para identificar esse grupo ou perceber um forte indicativo de que a pessoa seja uma rockeira”, afirmou o estudante.


Orquestrados pelo ronco dos motores das motos e pelo ritmo contagiante das músicas do rock, a "Bar-bearia Rock 'n' Road" é um dos atrativos de Mariana. O espaço reafirma a inovação da cultura no comportamento, na linguagem e na moda. O proprietário do estabelecimento, Thiago Nepomuceno, expõe as características estéticas do ambiente e o modo como essa expressão possibilita uma identificação do grupo com o local. "Eu escolhi um estilo industrial com uma pegada Rock ‘n’ Roll, por ser mais limpo, mais linha reta, e preto”.


GEEKS

Júlia Morais, estudante de Jornalismo, com uma composição visual que remete à cultura K-popper | Foto • Júlia Morais

Em conversa com Júlia Morais, estudante de Jornalismo, fã de k-pop e uma geek de carteirinha, foi possível conhecer também um pouco de suas experiências, em especial sobre sua realidade como consumidora e fã assídua de bandas coreanas. Com influências que partem do rock - gênero com que tem contato desde a infância através de seu pai - e do rap, que adotou já na adolescência, o k-pop entrou na vida da jovem de forma inesperada, mas passou a ser uma de suas paixões, já que sempre gostou de dançar, se maquiar e, principalmente, consumir música.


Sobre suas expressões através da moda, Júlia diz ser um processo que se divide muito. Por vezes, acontece de forma orgânica, onde ela vai pegando referências sem perceber ou faz escolhas porque gosta de algo sem se preocupar com um conceito específico. Porém, existem também os momentos os quais se usa de referências de artistas e conceitos que vê, tentando, à sua maneira e realidade, imitar esses estilos, adotando-os para si.


Júlia Morais conta que, antes de revitalização do Jardim e pré-pandemia, frequentava o ambiente, ficando majoritariamente na parte ocupada pelos alunos da UFOP. Segundo ela, é realmente perceptível essa separação no ambiente e, por vezes, as pessoas numa parte do local nem mesmo se dão conta do que acontece em outras áreas do Jardim. Vez ou outra, pessoas eram abordadas pela polícia, brigas aconteciam e poucas pessoas percebiam, mostrando realmente haver uma desconexão de muitos com todos os pertencentes do local.

O direito inegociável de se expressar

Com toda essa diversidade, é perceptível como, enquanto sociedade, pertencer a algum grupo é um anseio forte em cada pessoa. Assim, seja qual for seu estilo, à sua maneira, cada um tem o direito de se expressar, transitar e se vestir da forma que lhe convém, sem ter que se ater às amarras ou aos preconceitos.


Como percebemos nestes grupos de afeto, é comum que pessoas sejam estigmatizadas pela sua aparência e formas de se expressar. Essa atitude é um mecanismo humano de reconhecer padrões e que, nos contextos corretos e em uma sociedade sem preconceitos, auxilia pessoas a se agruparem com seus semelhantes, facilitando assim esse processo de socialização e integração cultural.







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