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Perdas que vão muito além do material

Atualizado: 9 de ago. de 2023

Fechada há oito anos para restauração e sem previsão para início das obras, a Igreja do Senhor Bom Jesus de Matosinhos e de São Miguel e Almas, em Ouro Preto, luta para se manter de pé

Enrico Bertoni, Tulio Dutra e Willian Santos


Abandono é a palavra que pode definir o estado em que a comunidade e a Igreja do Bom Jesus de Matosinhos se encontram há cerca de oito anos, desde que o monumento foi fechado em função de problemas estruturais. A igreja, que em outro tempo foi protagonista de histórias de vidas inteiras, momentos e memórias, tem se tornado, nos últimos anos, apenas uma casca vazia que sobrevive dos esforços de uma comunidade indignada com o atual estado do templo.


Entre os aspectos artísticos mais relevantes da igreja, destaca-se uma imagem talhada de São Miguel Arcanjo, em sua portada, de autoria atribuída ao escultor Aleijadinho, além de duas pinturas do Mestre Ataíde nos seus corredores laterais internos, que hoje estão guardadas na Igreja Matriz do Pilar, junto com o restante do acervo. A primeira imagem de Bom Jesus teria sido encontrada na região portuária da cidade de Matosinhos, no Norte de Portugal, e atualmente se encontra em bom estado na Igreja Paroquial do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, na cidade portuária. Já o Bom Jesus da igreja mineira se encontra no prédio ao lado, o Colégio Arquidiocesano, onde as missas são realizadas atualmente. A devoção à imagem, em diversas cidades mineiras, possui ligações diretas com o período em que o Brasil foi colônia portuguesa.


Construído entre os anos de 1778 e 1793, o templo apresenta características marcantes na fachada, se assemelhando com as construções religiosas da primeira metade do século XVII. Essa peculiaridade temporal em sua estrutura atualmente apresenta um contraste negativo, já que, desde o seu fechamento no ano de 2014, a ação do tempo colabora com os danos internos e externos da construção histórica.


Entre os mais de mil bens tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no Brasil, cerca de 208 estão em Minas Gerais, e um deles é a Igreja do Bom Jesus de Matosinhos. Em 2019, obras de revitalização da igreja foram aprovadas pelo Iphan, e contemplariam o restauro dos altares de madeira e da imagem de São Miguel Arcanjo, mas até hoje não foram iniciadas.

Interior vazio da Igreja do Bom Jesus de Matosinhos e Miguel das Almas | Foto • William Santos

Entre os dias 13 e 15 de setembro, foi realizado em Congonhas e Ouro Preto, o II Congresso Internacional do Senhor de Matosinhos, que teve como objetivo central uma espécie de grito de protesto, destacando a importância da restauração da igreja. Durante o evento, foi assinada uma carta conclusiva do encontro, solicitando a revitalização do templo ouro-pretano e a continuidade das obras do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos em Congonhas. O documento enviado ao Governo Federal e ao Iphan, e contou com as assinaturas dos prefeitos de Ouro Preto, Angelo Oswaldo, e de Congonhas, Cláudio Antônio de Souza, do vereador da cidade portuguesa de Matosinhos, Fernando Rocha, e do historiador português Joel Cleto.


O prefeito de Ouro Preto, Angelo Oswaldo, falou sobre essa situação durante o Congresso. Recitando um poema do escritor marianense Alphonsus de Guimaraens, o chefe do executivo municipal fez críticas ao Governo Federal. “O segundo Congresso Internacional do Senhor do Matosinhos acontece em Ouro Preto em um momento significativo para nós que estamos lutando pela restauração da Igreja de Bom Jesus de Matosinhos e São Miguel e Almas das Cabeças. Um dos templos mais importantes de Ouro Preto, com obras do Aleijadinho e do mestre Ataíde, está fechado há muitos anos porque o Governo federal cortou todas as verbas do Iphan e do restauro de bens culturais”.


Em entrevista dada ao portal Mais Minas, a secretária de Cultura e Turismo de Ouro Preto, Margareth Monteiro, destacou que a demora nos processos anteriores à restauração prejudica ainda mais o estado da igreja. “De fato, esse processo vem se arrastando há muito tempo. Por isso, o que constava do processo referente à obra civil e de elementos artísticos da Capela de Bom Jesus de Matozinhos precisou ser atualizado e enviado ao Iphan. As planilhas precisavam ser reajustadas minuciosamente, considerando os novos valores de mercado e a complexidade da obra. E é exatamente o que está fazendo a Secretaria de Cultura e Patrimônio de Ouro Preto para dar andamento ao processo”.


Todo esse processo apresenta consequências sociais, culturais e, principalmente, impactos na vida religiosa dos fiéis, conferindo a essa restauração uma importância que para muitos vai além da estrutural. Seria uma forma de salvar memórias e momentos vividos ali, coisas que possuem valores incalculáveis.


A voz da igreja

ESPERANÇA! Essa foi a palavra utilizada pelo senhor Osmar Alves de Oliveira, mais conhecido como Kelé, quando descreveu seu sentimento sobre a restauração do templo. “Ainda tenho esperanças, tenho sim. Quero estar razoavelmente saudável para ver a igreja aberta, acompanhar uma missa, ver o movimento, o pessoal chegando, encontrar com as pessoas depois de uma celebração. Uma restauração dessa principalmente na minha idade significa vida, reviver uma parte de algo que já foi muito importante para gente, isso que dá sentido, não apenas viver de lembranças. Eu ainda espero que isso possa acontecer”.


DESCASO! Definição encontrada por Enesio Souza, conhecido popularmente como Juca da pastelaria, para descrever a atual situação da igreja. “Isso é uma coisa que não pode acontecer, não sei de quem é a culpa até porque é um patrimônio mundial, mas deveriam cuidar mais, porque infelizmente parece que está fora do alcance da gente. Penso que até um visitante que vai lá e vê a igreja bonita fica feliz, então, cuidar daquilo é cuidar das pessoas, eu penso assim”.


REVOLTA! Palavra que esteve bastante presente nas falas de Rosângela de Fátima. “A igreja é do povo, até quando vai ficar isso aqui? A comunidade espera e quer essa restauração, para poder voltar a celebrar, estar aqui aos domingos com a família e com os amigos, poder receber a eucaristia. Meu coração fica apertado, fazer parte de tudo isso e não ver nenhuma solução. Quem vai olhar por nós?”.


TRISTEZA! Sentimento vivido por toda a comunidade, principalmente por Delcia do Carmo, a Dona Dó, que dedicou 82 anos de vida para cuidar da igreja que tanto ama. “Ela é minha vida, eu não tenho outras pretensões de nada, só de ver essa igreja pronta, não apenas para mim, mas para todo mundo. É muito triste, você só me vê falar dessa igreja. Mas Deus e Bom Jesus vão ajudar a arrumar depressa”.


O Jornal Lampião procurou o Iphan para comentar sobre o posicionamento do órgão em relação às obras de restauro da Igreja do Bom Jesus de Matosinhos e São Miguel das Almas em Ouro Preto, mas até o momento da publicação desta matéria não obtivemos respostas.


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Após oito anos fechada para restauração, a Igreja do Senhor Bom Jesus do Matosinhos, em Ouro Preto, ainda aguarda o início das obras. A comunidade do bairro das Cabeças se vê abandonada diante do descaso com seu patrimônio histórico, cultural e religioso. O minidocumentário que apresentamos a seguir serve para dar voz e mostrar o sentimento dos fiéis frente a esta situação.






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