Mesmo com a volta da cobrança da tarifa básica pela empresa Saae, em 2022, a escassez de água é recorrente, principalmente nos bairros periféricos
Davi Guimarães, Lênio Monsores e Yuri Dinali
Caminhão pipa sendo abastecido na Mina Del Rey, em Mariana | Foto • Davi Guimarães
Prevista desde a criação do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae) de Mariana, em 2005, a cobrança da Tarifa Básica Operacional (TBO) começou a ser recolhida pela autarquia municipal em abril de 2019. Entretanto, em dezembro de 2020, a taxa foi suspensa pelo prefeito Duarte Júnior, voltando a ser cobrada somente em 2022. Com o retorno da cobrança, a proposta de melhoria na qualidade e no tratamento de água e saneamento não é reconhecida por parte da população, que fala sobre a constante falta de abastecimento e da presença de redes de esgoto a céu aberto.
Moradores de bairros periféricos como Cabanas, Rosário, Alto do Rosário e Santo Antônio (Prainha) relataram a precariedade envolvendo o serviço de água em suas moradias. A moradora da Prainha, Rosilene Lopes, contou que a qualidade do serviço do Saae não melhorou após a volta da cobrança da TBO. “Não teve nenhuma melhoria! Só aumentou a falta de água. Na época de seca, falta água quase todos os dias. Há cerca de uns dez anos, desde que mudei para cá, que acontece isso. Quando ligamos para o Saae eles custam a atender e não tomam providências”, explica.
De acordo com a moradora do Alto do Rosário, Patrícia Aparecida de Oliveira, a falta de água ocorre independente da cobrança do serviço: “Todos os dias é assim, desde o início da formação do bairro. Segundo meu marido, há cerca de uns 20 anos que o bairro sofre com falta de água, e o pior, ligar para reclamar demora dias para eles (Saae) resolverem”.
No Bairro São José, além das torneiras secas, os residentes ainda precisam lidar com a água suja e sem o tratamento adequado, como cita o morador Leandro Camilo, que reside na Rua Cartuxa. “Aqui falta muita água mesmo… Na Cartuxa falta bastante água e quando vem, ela costuma vir suja. A cobrança vem aí para a gente pagar e não tem água direito e a que vem não é tratada. A Saae diz que o abastecimento é dia sim, dia não. Mas aí tem semana que ficamos três a quatro dias sem água nenhuma”, relata.
Comparando a situação dos bairros periféricos e o relato de moradores do centro da cidade, é possível notar que a Saae dá mais importância ao suprimento de água dos bairros considerados nobres e do comércio de Mariana. Logo, acaba deixando os bairros populares e periféricos sem a distribuição de água e o atendimento necessários a esta população.
Caixa d’água suja de rejeitos que vem na água | Foto • Jozilaine Lopes
No Bairro Cabanas, a moradora Maria Aparecida do Carmo conta sobre a falta de compromisso do Saae em abastecer o local da forma adequada. “Tem faltado muita água aqui no Cabanas, o caminhão pipa que leva água frequentemente para os moradores. Está havendo a cobrança da água sem ter (o abastecimento)”, pontua.
Moradora da Rua Salomão Ibrahim, no Centro Histórico, Maria Letícia Moreira conta que mesmo não morando em um bairro periférico, os problemas com água também ocorrem. “Eu pago a tarifa, mas muita gente não paga. Aqui cai água até certa hora também, aí depois que enche a caixa, tudo bem. Sobre a qualidade da água, não é muito boa. Tem dias que sai um odor forte de cloro. Ninguém sabe se jogaram lá de qualquer jeito, sem nenhum controle”, explica.
Nos comércios da cidade, a história é diferente. A comerciante da Rua Gomes Freire, no Centro Histórico, Andreia Juliana Gomes, proprietária da Cervejaria Inconfidentes, relata que não sofre com o problema da falta de água: “A situação do abastecimento aqui é normal, abastecem diariamente. Nunca faltou água”. Porém, ela expõe que, mesmo após a volta da tarifa, “não mudou nada” em relação a melhoria do serviço prestado pelo Saae.
Abandono
No Bairro Novo Horizonte, que começou a ser ocupado há mais de oito anos, mas ainda é considerado ocupação pela Prefeitura, a situação é bem mais grave. A localidade sofre com a falta de fornecimento de água e de saneamento, além de não haver calçamento e energia elétrica. Segundo o morador Eraldo Junior, foram feitas várias tentativas, por parte dos moradores, junto à Câmara Municipal para haver a regularização dos lotes, mas o retorno nunca ocorreu: “Houve uma reunião na Câmara Municipal, em fevereiro, para solicitar a regularização do bairro. Pelos menos umas 30 pessoas e três vereadores estavam presentes, outros por videoconferência. A gente fica na esperança de um dia a Prefeitura nos dar esse apoio”.
Contudo, considerando que o bairro não é regular, a cobrança da TBO do Saae não é feita ali. De acordo com Eraldo, foram os próprios moradores que garantiram o abastecimento local. “Nós, moradores, que puxamos (o encanamento) para poder ter água, se não, morreríamos de sede. Não tem água para lavar roupa, não tem água para tomar banho, para lavar vasilha… Nós que tivemos que estruturar com rede para poder ter água”, discorre.
Encanamento improvisado feito por moradores do Bairro Novo Horizonte | Foto • Davi Guimarães
Para terem acesso à água, os moradores precisam se unir para conseguir um caminhão pipa para abastecimento. “Aqui só funciona o caminhão pipa. Na época de seca, igual está entrando agora, o desabastecimento é intenso. De nenhuma forma a gente tem água descendo pela torneira. A gente liga pro Saae e eles demoram a atender de três a quatro dias”, diz Luciene Cerceau, outra moradora do Novo Horizonte que tem dificuldades em cumprir as tarefas diárias de limpeza em sua casa devido à escassez de água. Indagada sobre o saneamento básico e tratamento de esgoto, ela acrescentou: “A Prefeitura nunca se envolveu aqui não. Tem esgoto correndo a céu aberto, bem na esquina ali embaixo. Mas IPTU a gente paga tá? Já veio a cobrança do IPTU”.
Segundo informações do site do Saae, a falta de água ocorre por conta da escassez de reabastecimento natural na cidade no período de seca, pelos desafios do sistema de captação em bairros localizados nos pontos mais altos da cidade e até mesmo por conta do uso exacerbado da água pela população. O site não informa, com clareza, sobre investimentos feitos em melhorias no serviço de abastecimento e nem sobre a instalação dos hidrômetros.
De acordo com o Portal da Transparência do Saae, as despesas da autarquia giram em torno de R$ 20 milhões por ano. Porém, no ano de 2022, quando a TBO voltou a ser cobrada, os gastos ficaram em R$ 35,8 milhões. Já em 2021, quando não ocorreu a cobrança da tarifa básica, o gasto foi bem menor, tendo o valor de R$ 20,9 milhões.
O Lampião entrou em contato com a direção do Saae, por meio da assessoria de imprensa e Portal da Transparência para buscar esclarecimentos sobre a implantação dos hidrômetros, o detalhamento das receitas mensais, as oscilações sem tendências nos meses de junho a outubro de 2019 até 2022 e o valor investido no Sistema de Abastecimento e Tratamento de Água. Porém, até o fechamento desta reportagem, não houve nenhuma resposta, principalmente no que diz respeito aos valores arrecadados com a TBO e à relação de gastos e investimentos nas melhorias do sistema de abastecimento. Devido à falta de compromisso da empresa em atender e resolver os problemas de suprimento relatados pela população, a falta de água nas torneiras dos marianenses continua sendo um problema grave e sem perspectivas de solução.
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