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Ruas de Mariana levantam debates sobre história e transformação cultural

Atualizado: 16 de ago. de 2023

Nomes dados às ruas da cidade se dividem em tópicos temáticos que homenageiam a história de Mariana e exaltam elementos culturais brasileiros


Por Ian Cândido, Luzimara Santos, Maria Fernanda Melo

A imagem com cores mostra a placa de cor azul da Rua Professor Waldemar de Moura Santos, ao lado de um lampião preto apagado, em uma parede branca de uma casa com janelas nos tons de vermelho, azul e amarelo.

Rua Professor Waldemar de Moura Santos, no Centro de Mariana | Foto • Maria Fernanda Melo


Caminhando pelos bairros de Mariana, turistas e moradores comumente se encontram em diferentes jornadas temáticas ao transitar entre as ruas da cidade. Isso porque, para nomear suas vias, a Primaz de Minas adota um sistema de nomenclatura que obedece a tópicos específicos.


Neste panorama, enquanto 18 das ruas do Bairro Santo Antônio absorvem os pedestres em um trajeto geográfico rumo a algumas das principais capitais do país. As ruas do Centro Histórico convidam os passantes a se perguntarem a respeito das figuras hegemônicas atuais e históricas que emprestam seus nomes a cada via.


Do ponto de vista prático, este viés temático extrapola os limites da curiosidade popular e contribui tanto para a preservação e transmissão da história da cidade quanto para a exaltação de elementos característicos da cultura brasileira. No gráfico abaixo, separamos as 412 ruas de Mariana de acordo com os temas que originaram seus nomes. Além de santos e datas, predominam três grandes tópicos: nome de pessoas, lugares e elementos da natureza.


Gráfico em barras horizontais mostra os principais temas das ruas de Mariana, divididos nas cores amarelo, que indicam as 128 ruas que carregam os nomes de pessoas homenageadas, vinho para as 116 vias que homenageiam lugares e verde para as 76 ruas cujos nomes se inspiram em elementos da natureza. A barra vermelha aponta que existem 11 ruas levando datas em seus nomes, em bege estão as nove ruas com nomes de santos e a barra roxa indica as 98 ruas que não se encaixam nos temas.

Principais temas das ruas de Mariana


Os trâmites


A escolha dos temas e nomes que identificam bairros e ruas marianenses não acontece por acaso, e os processos de seleção descrevem, por si mesmos, um importante exercício democrático para os moradores da cidade.


Antes de nomear ou renomear as vias marianenses, cada proposta passa por etapas que variam de acordo com o interesse público. Segundo o analista de Regularização Fundiária de Mariana, Nilton Sales, os Projetos de Lei (PL) para a nomeação das ruas podem se originar tanto do Poder Legislativo, quanto do Poder Executivo.


“Os vereadores escrevem o texto da PL, propondo um nome a sua escolha. Em seguida, o projeto é votado na Câmara dos Vereadores e, caso seja aprovado, é encaminhado para sanção do prefeito - que também pode fazer propostas, desde que sejam devidamente votadas pelo Poder Legislativo e sancionadas dentro dos trâmites legais”, explica o analista.


Outro importante meio de nomeação envolve a participação direta da população. Caso desejem, os cidadãos marianenses podem sugerir, por meio de abaixo-assinado e por intermédio de membros do Legislativo Municipal, a alteração do nome das vias públicas marianenses.

A imagem mostra um trecho do Projeto de Lei que deu o nome à Travessa Dona Rita.

Projeto de Lei para a definição do nome da Travessa Dona Rita | Foto • Câmara Municipal de Mariana


Problemáticas históricas


Peça-chave no quebra-cabeças colonial brasileiro, Mariana foi o lar de figuras elitistas que financiaram os anos de opressão aos escravizados no país. Partindo desta lógica histórica hegemônica, vias importantes da cidade ainda homenageiam personagens que, historicamente, ocuparam o topo das pirâmides sociais dominadas pelo clero, pela nobreza e, posteriormente, pela burguesia.


É o caso das ruas dos bairros Centro Histórico, Dom Oscar e São José, nos quais nomes de religiosos, políticos - prefeitos, vereadores e presidentes da república - e representantes das forças militares seguem narrando a história da Primaz de Minas do ponto de vista das elites regionais e nacionais. São exemplos disso as ruas Wenceslau Braz, Getúlio Vargas e Barão de Camargos.


Para a mestranda em História da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), Carla Nunes, existem “diversos meios de fomentar e marcar a divisão social do espaço, e sem dúvidas, o impacto no imaginário popular, ao se reportar sempre a nomes que participaram de processos de colonização, escravismo, ditadura ou qualquer outro tipo de opressão, legitima o papel dessas pessoas na história.”


Nunes prossegue ressaltando que “ainda que não se pesquise a quem o nome da rua se refere, é possível esbarrar com tais figuras durante uma aula ou uma conversa informal. Ao se deparar com um nome carregado de tantos significados, fica o questionamento: ‘A quem serve esse marco?’”.


Educar para transformar


A fala da mestranda não se constrói ao acaso. Durante uma pesquisa de Iniciação Científica, em 2021, Nunes deparou-se com um desses exemplos. “Entre muitos debates camarários, me chamou a atenção a mudança do nome da Rua Conde de Bobadela para Wenceslau Brás - uma homenagem a uma linha de condes importantes para a Coroa Portuguesa e um importante agente político do período republicano.”

Neste contexto, surge uma nova questão: se a homenagem outorgada às figuras elitistas contribuem para a manutenção do status quo enraizado, qual seria o caminho para que as vias marianenses se transformem em um espaço de resistência e identificação social democrática e inclusiva?


Para a também mestranda em História da Ufop, Júlia Ferreira Matos, este caminho passa pela educação. “Devemos educar a nossa consciência para prestar atenção nos nomes das ruas e questionar seu significado. Devemos educar o nosso olhar para compreender o espaço no qual estamos inseridos como uma coisa política, que merece atenção. Vimos que esse movimento de reflexão já está acontecendo mais calorosamente com as estátuas, e isso é maravilhoso! Justamente porque significa questionar nossa história enquanto sociedade. E mais: significa uma vontade brutal e potente de contar outras histórias.”


Mariana além da elite


Agentes vivos da história regional, as ruas de Mariana guardam com carinho as histórias de gente como a gente. A Rua Artista Plástico Zizi Sapateiro, por exemplo, resgata calorosas memórias dos marianenses sobre José Ribeiro Santos, o Zizi.


A imagem em preto e branco mostra um senhor calvo de bigode e óculos, com a boca entreaberta como se estivesse no meio de uma fala. Ele usa blusa clara de gola polo escura.

Artista Plástico Zizi Sapateiro | Foto • Itaú Cultural


Nascido em 26 de maio de 1923, o pintor iniciou sua produção artística em 1966 com a obra Céu e Inferno, montada em uma tábua. Apesar de ter sido bastante criticado no início da carreira, alcançou reconhecimento e destaque após receber o prêmio New York, em 1968, pelo quadro Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse.


A imagem em cores mostra a Rua Artista Plástico Zizi Sapateiro. A via é ladeada por muros amarelos do lado esquerdo e muros brancos do lado direito. O chão é pavimentado por pedras rústicas. No final da rua, de frente para o observador, encontram-se casas. Atrás delas, no fundo da imagem, há uma pequena colina.

Rua em homenagem ao artista plástico Zizi Sapateiro | Foto • Maria Fernanda Melo


Zizi fez da Praça da Sé de Mariana o palco para as suas pinturas, e desdobrava-se também entre os ofícios de sapateiro e porteiro, tomando conta da entrada do antigo Cinema de Mariana. No grupo do Facebook, “Mariana do Fundo do Baú”, moradores da cidade resgatam memórias sobre o habilidoso artista.


A imagem em cores mostra três comentários, feitos por usuários no Grupo do Facebook “Mariana do Fundo do Baú”, em memória ao artista plástico Zizi Sapateiro.

Comentários sobre o Zizi Sapateiro no grupo do Facebook “Mariana do Fundo do Baú” | Foto • Facebook


Professor Waldemar de Moura Santos


Localizada entre as ruas do Catete e Frei Durão no centro de Mariana, a Rua Professor Waldemar de Moura Santos carrega a memória de um dos idealizadores e fundadores da Casa de Cultura e Academia Marianense de Letras. Francisco Santos, filho do homenageado, disse que o processo de imortalização do nome de seu pai foi uma sugestão que partiu do então vereador Luciano Hola.


A imagem em preto e branco mostra um senhor, aparentemente calvo, usando terno, gravata e óculos, atrás de um arranjo de flores.

Professor Waldemar de Moura Santos | Foto • Arquivo da família


Waldemar de Moura nasceu em maio de 1906 em Guaranésia, no Sul de Minas. Não era marianense de nascimento, mas de coração. Segundo o filho, sempre foi apaixonado pela Primaz de Minas. “Ele amava isso aqui tanto, que se alguém falasse mal de Mariana ele brigava. Todos os artigos que ele escrevia [para os veículos “A Noite”, “Estado de Minas” e “O Diário”] eram pro bem de Mariana”.


Além das contribuições de Waldemar para as artes e o jornalismo do município, ele também prestou grande auxílio na organização do arquivo da Câmara Municipal de Mariana.


A imagem em cores mostra a Rua Professor Waldemar de Moura Santos. A via é inclinada, e pavimentada por blocos de pedras. O lado direito é tomado por casarões coloniais, com detalhes nas cores branco, azul e vermelho.

Rua Professor Waldemar de Moura Santos | Foto • Maria Fernanda Melo


Em um primeiro momento, uma das ruas do Bairro Colina receberia o nome do professor. Contudo, de acordo com Francisco, a população local resistiu à mudança, uma vez que o nome não seguia o critério das ruas do bairro, que recebem a denominação de estados brasileiros. Por isso, a antiga Travessa Minas Gerais passou a se chamar Rua Professor Waldemar de Moura Santos como forma de reconhecimento.

Vista da Rua Professor Waldemar de Moura Santos, registrada pelo Google Street View em Outubro de 2017.



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