A agroecologia como alternativa ao uso de agrotóxicos na produção de alimentos em Mariana.
Por Beatriz Dantas e Matheus Camargos
Diferentes tipos de hortaliças prontas para serem transplantadas | Foto: Beatriz Dantas
#PraTodosVerem: Diferentes tipos de mudas de alfaces em processo de semeadura, com folhas em diferentes tonalidades de verde e roxo.
Em um caminho alternativo à agricultura de larga escala, alguns moradores de Mariana estão investindo na produção de alimentos de origem agroecológica, composto por hortaliças, verduras, legumes e frutas. Além de resultar em redução de despesas com mercado e custos de produção mais baixos, essa atividade traz benefícios tanto ao meio ambiente como para a saúde dessas pessoas que passam a se alimentar de produtos livres de agrotóxicos.
A marianense Elaine Lopes, 35 anos, seguindo sua tradição familiar, possui uma pequena horta em sua casa localizada no distrito de Padre Viegas. Pela configuração de seu terreno, nem todos os vegetais produzidos por ela podem ser plantados diretamente no solo. A alface, por exemplo, é cultivada em vasos, com um sistema de drenagem composto por brita e cascalho no fundo dos recipientes.
Já os alimentos que são plantados no chão, a casca de arroz carbonizada misturada com o esterco bovino, garantem a adubação para sua produção. Sem utilizar aditivos químicos, a pequena produtora descobriu um novo adubo que está gerando bons resultados para sua plantação, por ser rico em cálcio, potássio e magnésio: um composto caseiro de casca de ovo e borra de café que ela mesma produz com o que seria lixo em sua cozinha.
Em relação àqueles produtos que são comercializados nos sacolões e produzidos em grande escala, ou seja, com a utilização de agrotóxicos, Elaine percebe que os vegetais colhidos em sua horta são mais saborosos e, no prato, mais atrativos: “O sabor da alface é diferente e a couve é mais gostosa. Um exemplo: a abobrinha italiana de sacolão, quando vamos preparar, a coloração não fica verde, fica aquela coloração branca. A abobrinha colhida em casa fica verdinha. O quiabo também, quando é colhido em casa, tem uma coloração diferente”.
Alface produzida em vasos por Elaine Lopes | Foto: Acervo pessoal
#PraTodosVerem: Três pés de alface com coloração verde vivo plantados em três pequenos vasos pretos colocados no chão.
A produção agroecológica e a produção orgânica conversam bastante entre si, mas não são iguais. Ambas as práticas se preocupam com a sustentabilidade ecológica e a produção de alimentos saudáveis, sem contaminantes químicos. Enquanto a agricultura orgânica surgiu como prática agrícola, a agroecologia surgiu como ciência, pois a produção de agroecológicos possui caráter social, econômico, político e cultural. O sistema de produção agroecológico se relaciona com a valorização da diversidade dos produtos, da cultura e do saber local. A autonomia dos produtores também é importante, para que não dependam unicamente de insumos externos para sua produção. A agroecologia busca causar menos impacto na natureza através de uma plantação mais diversificada do que as monoculturas orgânicas. Um grande diferencial da produção orgânica é o manejo, que pode ser comparado com uma “imitação da natureza”. |
Proprietário de um sacolão no centro de Mariana há mais de três décadas, Márcio Magalhães, 55 anos, comercializa frutas e vegetais trazidos do Ceasa, na região metropolitana de Belo Horizonte. Porém, depois de 20 anos de comércio, ele decidiu complementar suas vendas com produtos de produção própria, cultivados de forma agroecológica no distrito de Bandeirantes.
Márcio Magalhães em seu estabelecimento comercial | Foto: Beatriz Dantas
#PraTodosVerem: Homem branco na faixa dos 50 anos, de cabelos pretos, óculos e vestindo uma blusa polo bege com a logomarca de seu sacolão, à frente de uma prateleira com abacaxi, melão, abacate, milho, quiabo, pimentão, batata e cebola.
O comerciante explica que demorou para incluir esses produtos no seu estabelecimento porque os mesmos não são tão valorizados por quem quer comprar alimentos de coloração perfeita, sem manchas e de formatos padronizados: “O que vêm da roça, por não ter esse padrão de beleza, não tem valor. As pessoas compram com os olhos e, muitas vezes, a saúde e a beleza não andam juntas”.
Agrotóxicos: “benefícios” para a produção e os malefícios para a saúde
Para garantir o padrão de qualidade que o comerciante Márcio Magalhães cita, a maioria dos grandes produtores recorre ao uso de agrotóxico em suas hortas e lavouras. De acordo com a lei Nº 7.802/89, agrotóxicos são produtos e agentes de processos físicos, químicos ou biológicos, utilizados com finalidade de alterar a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos.
Somente no ano passado, 652 agrotóxicos passaram a ser comercializados no território nacional. Segundo o Ibama, 22 desses pesticidas foram considerados muito perigosos ao meio ambiente, além de causarem sérios danos à saúde, podendo levar à morte. A Organização Mundial da Saúde (OMS) registra cerca de 20 mil óbitos por ano devido ao uso desses produtos químicos, mas, apesar de todos os malefícios, o uso é justificado por três motivos: o controle de pragas e doenças para garantia da produtividade nas lavouras; a manutenção dos preços mais baixos que os produtos orgânicos no mercado; e a melhora na qualidade visual dos produtos.
“Você tem, de um lado, uma banana que é linda e maravilhosa por fora, mas que passou por vários processos químicos, até mesmo câmara de gás durante o amadurecimento; do outro lado você tem a banana que veio da roça, produzida de forma agroecológica, que durante o seu crescimento tomou poeira, chuva e vento. Ela não é tão bonita, mas tem mais qualidade”, explica Márcio Magalhães.
O uso de agrotóxico altera a resistência, durabilidade e aparência final dos produtos | Foto: Beatriz Dantas
#PraTodosVerem: Há duas variedades diferentes de bananas: à esquerda a de produção agrícola, vinda da roça, com manchas escuras em sua casca e à direita a de larga produção, produzida com agrotóxicos, com a casca amarela mais clara e com menos manchas.
No ano de 1972, durante o governo militar do presidente Médici, foi lançado o Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), uma iniciativa que contribuiu para um aumento significativo no uso de agrotóxicos, provocando a supressão de práticas alternativas e sustentáveis de controle de pragas. A fim de aumentar a produção e lucratividade, produtores frequentemente utilizam de maneira indiscriminada diversos tipos de agrotóxicos, como: reguladores e inibidores de crescimento e outros agentes que combatem insetos, fungos e ervas daninhas.
Infestação de insetos em uma plantação de pimentão | Foto: Beatriz Dantas
#PraTodosVerem: Besouros com listras pretas e amarelas pousados sobre folhas verdes deterioradas de um pé de pimentão.
Desde então, o setor vem se modernizando para impulsionar o agronegócio que, de acordo com o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (CEPEA/USP), representa 24,4% do PIB. Essa “modernização agrícola” que acontece no Brasil desde o PND, apesar de proporcionar crescimento econômico para o país, gera prejuízos ao meio ambiente e à saúde dos brasileiros. O médico Luís Guilherme Reis afirma que o consumo de alimentos tratados com agrotóxicos afeta diretamente o bem-estar humano, favorecendo o desenvolvimento de cânceres, infertilidade, alterações hormonais, má formação fetal e danos genéticos.
Ele explica que o câncer pode ser causado por diversos fatores, sendo os principais respectivos a mutações genéticas, de pró-oncogenes: “Ou seja, de genes relacionados à proliferação desordenada dessas células e a alterações referentes aos genes que estão relacionados com o reparo do DNA”. Nesse ponto entram os malefícios dos agrotóxicos como agravante, pois o médico conta que estudos mostram que estes produtos possuem estruturas químicas que afetam o DNA. Esses compostos químicos utilizados nas lavouras acentuam o processo de desenvolvimento de cânceres de mama, hematológicos (como linfomas e leucemias), do sistema nervoso, do pâncreas e renal.
Além do risco de desenvolvimento de câncer, há também um risco de desregulação hormonal, porque as moléculas desses pesticidas interferem no sistema endócrino por conta da semelhança química com alguns hormônios do corpo humano. “Um estudo de 2002 avaliou isso e correlacionou com alguns cânceres. Então, mesmo a desregulação hormonal pode se relacionar com o câncer, principalmente os de hormônios independentes, como de mama, próstata, ovário, testículo e tireóide”, esclarece o médico.
A formulação desses produtos é complexa: “Junto dos agrotóxicos vêm outras substâncias químicas potencialmente danosas para o nosso organismo, como solventes e emulsificantes. É uma questão multifatorial no desenvolvimento dessas alterações”, acrescenta Reis.
A importância da mudança de hábito
A nutricionista Glaucia Tres explica que o consumo de alimentos in natura - aqueles obtidos diretamente de plantas ou de animais para o consumo, sem sofrer qualquer tipo de alteração - advindo de uma produção agroecológica melhora a saúde e a longevidade das pessoas, prevenindo, inclusive, doenças como o câncer.
“Os agrotóxicos, quando consumidos, são absorvidos e acumulados no organismo, gerando processos inflamatórios e doenças como a intolerância à lactose e ao glúten”, explica Glaucia. A nutricionista conclui que é necessário fazer uma avaliação sobre o próprio consumo, qualificando a alimentação e pensando em um propósito de vida já que, segundo ela, existem estudos que falam sobre o aumento da quantidade de alguns nutrientes em alimentos livres de agrotóxicos.
O produtor de hortaliças Waldir Pollack, 77 anos, começou a sua produção agroecológica após sua esposa ser diagnosticada com câncer de mama. Os médicos, à época, consideraram que ela viveria somente por mais 2 anos. Então, em 1987, em busca de alternativas de cuidado, Waldir comprou um terreno em Paracatu de Baixo e começou a produzir hortaliças, legumes e vegetais, adotando uma abordagem livre de agrotóxicos e de adubos químicos.
Waldir Pollack, uma referência em produção agroecológica | Foto: Beatriz Dantas
#PraTodosVerem: Homem branco idoso usando boné e óculos de grau, à frente de sua plantação agroecológica, segurando com a mão direita o livro Manual de Horticultura Orgânica.
As mudanças de hábitos alimentares na família Pollack superaram as expectativas no tratamento da esposa, que viveu por mais 15 anos. A vida do Sr. Waldir também foi beneficiada. Atualmente, prestes a completar 78 anos de idade, ele considera sua rotina de alimentação um modelo de consumo livre de agrotóxicos e benéfico para a saúde. “Hoje eu sou o próprio exemplo, vou completar 78 anos e não tomo nenhum remédio. A mudança da minha alimentação foi fundamental para isso”, explica o produtor.
Em 2015, com o rompimento da Barragem de Fundão, a propriedade do Sr. Waldir foi atingida e, com isso, ele perdeu a certificação de produtor de orgânicos. Porém, a maneira de produzir não deixou de ser agroecológica. Atualmente, ele utiliza de técnicas naturais para plantar sua horta, como a aplicação de biofertilizantes e compostagem com adubo orgânico. No vídeo abaixo, o produtor ensina como transformar matéria orgânica em fertilizantes:
Para além do consumo saudável de alimentos sem uso de agrotóxicos, Elaine Lopes também mantém sua produção como uma maneira de se distrair. “Plantar para mim não é somente para consumo, acaba sendo uma terapia. É muito motivante você plantar, ver o desenvolvimento do vegetal, colher. Às vezes eu fico estressada e vou para a horta me acalmar. Além, é claro, de ser gratificante você consumir aquilo que você mesma planta”, relata a gerente administrativa.
Elaine adquire suas mudas de maneira independente com um fornecedor local. Entretanto, visando diminuir os custos e incentivar a prática de hortas domiciliares, o Programa de Compra Conjunta de Mudas e Árvores Frutíferas, disponibilizado pela Secretaria de Desenvolvimento Rural de Mariana, contribui para que novos produtores consigam iniciar a sua produção agroecológica pagando um valor acessível nas mudas de hortaliças.
A secretária da pasta, Marcela Cota, explica: “O município promove o subsídio do transporte e negocia preços com os fornecedores. Os preços ficam mais baixos, já que unifica a compra para vários produtores, em grande quantidade”. Essa intermediação não é feita apenas para os grandes produtores da cidade, qualquer pessoa que planeja iniciar uma horta em casa pode ser um beneficiário do programa, basta se cadastrar junto à Secretaria de Desenvolvimento Rural.
Na Feira Livre são encontrados diversos produtos de produção agroecológica | Foto: Matheus Camargos
#PraTodosVerem: Mulher negra usa um gorro listrado nas cores verde, amarelo e vermelho, veste uma blusa branca com uma ilustração que remete ao período colonial, por cima usa outra camisa de cor cinza. Essa mulher faz um gesto de pagamento e está em frente a uma barraca que tem algumas hortaliças expostas para venda no balcão, como manjericão, salsinha, erva-cidreira, além de uma
caixa de ovos caipiras.
Além da possibilidade de iniciar a própria produção, existe também a alternativa de consumir alimentos agroecológicos adquirido de ambulantes que vendem em algumas esquinas da cidade; ou comprando em estabelecimentos comerciais que possuem uma seção de produtos livres de adubos químicos, agrotóxicos ou pesticidas; ou ainda de pequenos agricultores que expõem suas produções em barracas na Feira Livre Municipal, aos sábados de manhã, no estacionamento do Centro de Convenções Alphonsus de Guimarães. Com isso, além de garantir uma alimentação mais saudável, ganhar em qualidade de vida, ainda incentiva o comércio local de produção sustentável.
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