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Vidas ao volante

Motoristas de aplicativos avaliam os desafios de percorrer as ruas de Mariana e região.


Lívia Vieira e Marcella Pontes

No interior de um carro, homem de pele negra, vestindo uma camisa vermelha e com as mãos ao volante, ao seu lado, no banco do carona, mulher com cabelos longos castanhos e vestindo uma blusa de cor preta.

A facilidade de solicitar uma viagem faz com que muitas pessoas optem pelo serviço por aplicativos | Foto: Lívia Vieira


A popularidade dos aplicativos de transporte particular, especialmente dos veículos pequenos e de passeio, trouxe uma nova dinâmica ao cenário da mobilidade urbana em cidades de todo o Brasil. Com a expansão do número de plataformas digitais para esse tipo de serviço, os moradores de Mariana, cidade do interior de Minas Gerais com aproximadamente 62 mil habitantes (IBGE, 2022), encontraram nos aplicativos de transporte oportunidades tanto para os motoristas quanto para os usuários.


Segundo pesquisa realizada em 2022 pela Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec) e pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), atualmente, o Brasil possui cerca de 1,2 milhões de pessoas trabalhando como motoristas de aplicativo. Tomando como base a pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), entre 2016 e 2021, o número cresceu 979.8%. Essa forma de trabalho autônoma está em constante expansão devido a diversos fatores, como o alto nível de desemprego e a necessidade de renda extra.


A escolha desse trabalho ainda enfrenta problemas com a falta de legislação específica e reconhecimento, como apontam dados da Câmara dos Deputados. Entre os anos de 2012 e 2019, o número desses profissionais cresceu 50%, mas as garantias não são as mesmas da carteira assinada.


Em Mariana, as ruas foram transformadas pela ampliação da oferta dos aplicativos de corrida. Com a facilidade de solicitar uma viagem pelo simples toque na tela do telefone e a promessa de uma experiência mais personalizada, esses serviços conquistaram a confiança de muitos cidadãos, inclusive de Grazielle Rodrigues, 39 anos, mãe de dois filhos e cerimonialista. “Utilizo o transporte por aplicativo várias vezes por semana, por ter uma taxa menor que os táxis, e por ser um meio mais rápido que o coletivo”, afirma Grazielle.


O número de aplicativos de corrida em Mariana é impreciso, como afirma Eliabe de Freitas, coordenador do Departamento Municipal de Trânsito. "Até onde era de nosso conhecimento tinham na cidade cinco empresas, só que mudou muito esse cenário. Algumas já saíram e chegaram outras novas. Nós não temos essa informação exata justamente por não ser um serviço que é regulamentado nem gerenciado pelo Demutran”, explica.


No Departamento Municipal de Trânsito, a consciência sobre a necessidade de regulamentação é clara, mas as medidas concretas aguardam a criação e aprovação de um Projeto de Lei, ainda inexistente, na Câmara dos Vereadores. Segundo a proposta, os aplicativos de corrida na cidade deverão se cadastrar junto ao Demutran. Isso abrirá as portas para um nível de gestão mais amplo, permitindo a supervisão das operações, tanto dos motoristas quanto dos veículos envolvidos.


A regulação também promoverá a transparência, garantindo uma operação mais alinhada às necessidades e expectativas da comunidade, com segurança e confiabilidade. “A partir dessa regulamentação terá a exigência de cadastro junto ao município e de toda a gestão do serviço do transporte por aplicativo, passando assim a ser de controle da cidade, inclusive dos motoristas, dos veículos e todas as demais informações”, completa o Eliabe.


Desafios da Profissão


Apesar de algumas facilidades, como a organização dos próprios horários, dias de trabalho e controle da renda, a realidade dos motoristas de aplicativo é repleta de desafios, sendo um dos principais a segurança, como relata o motorista Samuel Martins, 30 anos: “A vida noturna dá sempre esse medo, a incerteza das pessoas que vão entrar no carro e aonde elas vão. Mas eu preciso trabalhar, então peço a proteção de Deus e vou”.


Mesmo monitorados pelas plataformas por GPS, os perigos como risco de assaltos, estupros e sequestros ainda preocupam. Ao compartilhar sobre uma de suas corridas, a motorista Ana Paula Martinho, 36 anos, contou que já sofreu assédio. “Eu mantive a postura e disse que iria encerrar a corrida. Confesso que no dia eu até chorei porque eu não estava acostumada com isso. Graças a Deus eu tive sabedoria para encerrar o atendimento e saber lidar com a situação”.


Como forma de amenizar o problema e levar mais segurança aos prestadores do serviço, Paulo Xavier, presidente da Frente de Apoio aos Motoristas Autônomos de Minas Gerais, afirma que a identificação dos passageiros é uma das principais ferramentas que as plataformas precisam adotar a fim de aumentar a segurança.


Outro desafio diz respeito à remuneração variável e influenciada por diversos fatores, como a quantidade de horas trabalhadas, a demanda por corridas e até mesmo a época do ano. Alguns motoristas relatam que, nos meses de alta temporada turística, conseguem obter uma renda maior, como é o caso de Karine Cristiana, de 38 anos, que há quatro anos trabalha pelas ruas da cidade. “Com a presença dos turistas, acabo realizando muitos trabalhos entre Mariana e Ouro Preto, pois ao conhecer as duas cidades, muitos preferem a facilidade do carro ao invés de pegar o transporte público.”


Após a chegada do Programa Tarifa Zero, benefício que garante aos cidadãos marianenses o acesso ao transporte público de forma gratuita, houve um aumento no fluxo de corridas, como aponta o motorista César Camilo, de 42 anos. “Acho que esse programa veio nos ajudar porque muita gente prefere andar no aplicativo do que andar no ônibus lotado”.


No horário de pico, pessoas disputam espaço para ocupar o Transporte Coletivo gratuito no ponto de ônibus da Praça Tancredo Neves, Centro Histórico de Mariana, o que faz com que muitas pessoas optem por solicitar um Transporte por Aplicativo | Foto: Marcella Pontes


Apesar dos desafios, há quem veja oportunidades nesse tipo de profissão. O motorista Samuel Martins conta ter conseguido renda suficiente para quitar suas contas e realizar sonhos. “É uma oportunidade de conquistar aos poucos as minhas coisas. A profissão de motorista já me levou a conhecer vários novos lugares, permitiu também ter carro próprio e sair com a minha família”.


Durante as extensas horas de trabalho, parcerias e amizades surgem entre motoristas e passageiros. Oribes Luciano, 39 anos, conta que o maior presente que recebeu durante os seis meses de trabalho foram as sinceras amizades construídas. Clientes fiéis se tornaram pessoas íntimas, especiais e, até mesmo, confidentes. “A profissão já me levou a muitos amigos, fiz muitas amizades, conheci muitas pessoas durante as corridas que viraram clientes e amigos”.


Conforto


Para muitos usuários do serviço, a escolha pelos aplicativos de transporte se deve à praticidade. A imprevisibilidade dos horários de ônibus, as preocupações com a segurança e a conveniência de chegar rapidamente ao destino são fatores determinantes. Samuel Silva, 18 anos, encontra nos aplicativos uma solução eficaz para evitar atrasos que podem comprometer sua rotina diária. “Eu gosto de andar nesse meio porque não sei muito bem qual é o horário dos ônibus. Tenho medo de não passar e eu perder a hora da chegada ao lugar onde tenho que ir”, diz.


A busca por conforto também impulsiona os usuários a escolherem corridas por aplicativo. Solicitar a viagem com um toque em um veículo confortável oferece uma experiência mais agradável, superando o transporte público, com espaços apertados e horários limitados. “Eu opto pelos aplicativos por ter taxas menores que os táxis e mais conforto e rapidez que os ônibus. Por utilizar muito, é melhor quando fazemos amizade com um motorista e ele está sempre ali à disposição quando preciso, facilitando até mesmo o contato e o valor”, conta Grazielle Rodrigues.


As conversas com motoristas são vistas como momentos de conexão, sejam eles pequenos bate-papos ou diálogos mais profundos, como prefere Samuel, cliente fiel de um dos prestadores de serviço e que carinhosamente chama de seu “motorista particular”. “Eu tento conversar e evangelizar também, só que tem uns que não dá, são meio sem papo. Geralmente a gente conversa sobre o clima ou sobre algumas situações do dia a dia. Com o motorista que tenho mais costume, dá para conversar um pouco mais, às vezes até desabafar”.


As opiniões e experiências dos usuários desempenham um papel fundamental na definição do futuro da mobilidade urbana. A reputação do aplicativo e a avaliação do motorista influenciam na recomendação dos serviços, refletindo no aplicativo a experiência geral do usuário. “Eu prefiro utilizar pela praticidade, conforto e rapidez. Facilita muito na correria do dia a dia e, se pudesse, usaria para me locomover para todos os locais se o preço fosse mais acessível”, compartilha Bruna Carneiro, de 23 anos.


Embora os aplicativos de transporte ofereçam vantagens claras, o investimento para viagens frequentes é um fator limitante para muitos usuários. O uso desses serviços ainda é inacessível para uma parcela da população que não tem como arcar com os custos desse conforto. “É muito bom, pena que às vezes é caro. Nem todo mundo tem condição, é algo excelente pela praticidade, mas infelizmente o valor acaba sendo limitante para algumas pessoas”, disse Samuel Silva.

Histórias reveladas


A realidade dos motoristas de aplicativo em Mariana é um reflexo do panorama nacional, cheio de desafios e oportunidades. A flexibilidade oferecida pelas plataformas é atrativa, mas é preciso enfrentar as dificuldades, como a segurança, para que essa atividade continue sendo uma opção viável e rentável para muitos moradores, tanto os prestadores do serviço, quanto os seus usuários.


Muitas vezes, pelas ruas, os motoristas de aplicativos passam despercebidos. Navegando pelas vias da cidade descobrimos histórias profundas e inspiradoras que se desdobram além do retrovisor. Em meio aos desafios e oportunidades das ruas de Mariana, mergulhamos nos perfis únicos de alguns motoristas de aplicativo, explorando suas trajetórias, motivações e perspectivas.


A busca por essas histórias nos conduziu a um grupo diversificado de cidadãos marianenses que compartilham a profissão, mas cujas jornadas são tecidas por experiências e desafios singulares, cada um trazendo uma narrativa única para o cenário da Primaz de Minas. Suas histórias transcendem os trajetos de suas viagens diárias e nos lembram que, nos aplicativos e, principalmente, ao volante, estão vidas ricas em experiências, desafios e aspirações.


Roldinelli Araújo



Ana Paula Martinho



Samuel Freitas






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