A paixão pelo teatro e a vontade de revolucionar a arte circense foram a base do Circovolante e resultaram em um dos encontros de palhaços mais prestigiados do Brasil
Henrique Chiapini e Sérgio Aroeira
Em 1991, na cidade mineira de Governador Valadares, foi formado o embrião do espetáculo Circovolante quando Xisto Siman (Xinxin), João Pinheiro (Juaneto), Jô Alves (Jojoba), Luciene Nardely (Luciene) e António Caeiro (Toninho) participavam de uma oficina de teatro. Na ocasião, convidados por Toninho (então diretor da oficina) para ministrar cursos e apresentar peças teatrais pela cidade, criaram o Stronzo, grupo que foi crucial para começar a trajetória dos artistas.
Ali teve início o caminho que culminou na criação de um dos maiores festivais circenses de Minas Gerais: o Encontro Internacional de Palhaços. Desde esse período, enquanto apresentavam suas peças teatrais pelas cidades do estado, o quarteto já idealizava a criação do Circovolante, grupo com a essência da arte de rua.
No ano seguinte, em 1992, o grupo organizou a primeira temporada do “Grande Circo Imaginário”, um espetáculo criado por eles que contou com 20 apresentações em Governador Valadares. Posteriormente, partiram para uma turnê em diversas cidades mineiras, como Teófilo Otoni, João Monlevade, Itabira, Nova Era, Ipatinga, Coronel Fabriciano e outras tantas. Esse período é visto por Xisto como um dos mais marcantes do seu início, pois, segundo ele: “Foi nossa primeira grande turnê e ficamos quase 90 dias fora de casa, vivendo em hotéis. Nesse momento ‘bateu na nossa cara’ essa coisa de vida de artista: vai pro hotel, monta e desmonta, faz o espetáculo, espera a kombi chegar…”.
Após quatro anos de apresentações por toda Minas Gerais, o grupo já havia passado com seus espetáculos por cerca de 50 cidades, sempre levando, literalmente, um ônibus lotado de “tralhas”. No ano de 1995, eles chegaram em Mariana e foram convidados pela diretora do Sesi (atual cine teatro) a realizar suas atrações na cidade. Ainda com o nome de Stronzo, os artistas permaneceram ali até 1999, quando decidiram se separar. Um dos artistas que fazia parte do grupo, o Toninho, decidiu focar seus esforços em sua produtora de eventos, enquanto os demais sentiam a necessidade de se dedicar mais à criação artística.
O surgimento do Circovolante
Com a separação do Stronzo, começou a ser gestada a criação do Circovolante, que aconteceu no ano 2000. O grupo seguiu com suas apresentações ao redor do Brasil e, entre 2001 e 2006, levou sua arte para o Festival de Cinema de Tiradentes, um dos grandes festivais de Minas Gerais. Além disso, entre 2002 e 2008, os artistas estiveram presentes em todas as edições do carnaval da cidade de Mariana, sempre buscando inovar e realizar apresentações interativas com o público.
O início do Encontro Internacional de Palhaços
Após oito anos da existência do Circovolante, em 2008, Xisto e João criaram o Encontro Internacional de Palhaços, atualmente um dos maiores espetáculos circenses do Brasil. A ideia que já vinha sendo elaborada desde o início da carreira dos artistas se consolidou após uma grande turnê que realizaram. Ao visitar 28 cidades brasileiras levando seus espetáculos, puderam conhecer e ter acesso a formas e estratégias de produção diferentes do que estavam acostumados a fazer. Foi graças a esta turnê que, também, os artistas conseguiram adquirir seus primeiros equipamentos de luz, som e palco, permitindo então a criação de um “evento” maior.
Em 2009, o grupo encontrava dificuldades para realizar a segunda edição do encontro, sobretudo pela falta de apoio e investimento. Porém, se inscreveram e venceram em uma das categorias do “Prêmio Funarte Carequinha de Estímulo ao Circo”, concurso promovido pela Fundação Nacional das Artes (Funarte), o que possibilitou a realização da segunda edição do festival no ano de 2010. Além desse prêmio, conquistado em 2009, o Circovolante venceu também em outras três edições do concurso. Mas o projeto foi ganhando força e relevância de fato graças ao apoio e grande adesão do povo marianense e daqueles que vinham apreciar o evento.
O ator, palhaço e humorista, integrante do famoso e histórico grupo humorístico “Os Trapalhões”, Dedé Santana, foi o destaque do festival no ano de 2011, sendo o homenageado da edição. Oriundo de uma família com veia circense, desde criança Dedé atua como artista de circo e trouxe todo seu repertório e experiência para o terceiro encontro organizado pelo Circovolante. Xisto conta que sua relação com o artista surgiu por intermédio de Flávio Viana, do Circo Torricceli, de Santa Catarina.
Ele diz ainda que, depois disso, teve vontade de prestar uma homenagem ao “escada” mais famoso do Brasil. Dedé Santana, quando fazia parte do grupo Os Trapalhões, sempre foi o ator que entregava uma piada para que outro comediante pudesse completá-la e receber os aplausos, daí a expressão “escada”.
O encontro ia crescendo e os artistas do Circovolante não paravam, realizando inúmeras apresentações por todo país, além das participações em eventos como o Festival Mundial de Circo do Brasil, realizado em Belo Horizonte, Festivais de Inverno - nas cidades mineiras de Sabará, Congonhas, Pedro Leopoldo, Itabira e Ouro Preto e em Marataízes (ES) - e Fórum das Letras de Ouro Preto.
Em 2014, na Argentina, tiveram a oportunidade de participar como curadores do Mercado das Industrias Culturales Argentinas (Mica), considerado o centro de um sistema de políticas públicas criado para a formação e desenvolvimento de produtores, empresas e profissionais das indústrias culturais. Neste evento, durante sete dias tiveram a oportunidade de conhecer a produção circense, teatral e musical argentina, além de poder divulgar o Encontro Internacional de Palhaços.
MODELO REMOTO
Durante os anos de 2020 e 2021, com o isolamento social ocasionado pela pandemia da Covid-19, o Circovolante precisou se reinventar e se adaptar à realidade que o momento exigia. No primeiro ano de pandemia, Xisto e João contam que focaram em estudar mais sobre audiovisual e se preparar para produzir um projeto de maior impacto social no ano seguinte. Durante seis meses, os artistas produziram conteúdos semanais para que escolas de 13 cidades mineiras e uma baiana pudessem utilizar com seus alunos. Essa iniciativa possibilitou que inúmeras crianças conhecessem o circo, suas apresentações e pudessem obter informações sobre o Encontro, engajando-as para quando o festival ocorresse.
O resultado foi a presença de mais de 5 mil espectadores nas lives realizadas pelos artistas no canal do YouTube. Poderíamos imaginar que as apresentações seriam mais frias, justamente pela distância física entre artistas e plateia, mas João traz uma outra perspectiva: “Foi diferente, mas não foi frio. Nós nos comunicamos com os braços, gestos e isso tudo precisou ser reajustado para as lives, inclusive o tom da voz. Os gestos que temos nas ruas, a linguagem, o tom de voz que utilizamos, são diferentes do que é necessário nas lives. No primeiro momento você tem aquele choque, mas quando você percebe que a ansiedade do ‘lado de lá’ é a mesma ansiedade que a ‘do lado de cá’ é tranquilizante e muito bacana”.
IMPACTOS SOCIAIS
Nesses mais de 20 anos de história do Circovolante e mais de 30 anos de trajetória de Xisto e João, diversas pessoas foram tocadas, cresceram e se desenvolveram junto aos artistas, como é o caso de Raed Dângelo, o palhaço Vinagre, 18 anos. Desde muito jovem, ele construiu uma bela relação com o Circovolante. Aos seis anos se tornou artista circense e hoje atua como ator, diretor e produtor audiovisual. O início dessa relação aconteceu graças ao pai de Raed, profissional que trabalha como técnico mecânico e sempre consertava os veículos e computadores de Xisto, João e do circo.
Raed diz que sempre gostou de acompanhar os espetáculos de Xisto e João, ele conta que sua mãe sempre o levava. Durante as edições do festival nos cortejos, Raed conta: “Ficava tão encantado que gostava de me vestir de palhaço. Todas as edições que aconteciam os cortejos e várias pessoas se vestiam de palhaço, tudo colorido e bonito, eu comecei a me vestir também.” Além da caracterização de palhaço, ele também gostava de utilizar a perna de pau ou fazer apresentações com a sanfona, uma de suas maiores paixões.
Ele conta que ficou apaixonado pela sanfona, tanto que seu pai lhe deu uma de presente e ele aprendeu a tocar sozinho. Atualmente, em seu repertório, o instrumento é um dos principais elementos utilizados, suas apresentações sempre contam com cenas musicais e mágicas. Na oitava edição do Encontro Internacional de Palhaços, Raed foi convidado por Xisto e João para se apresentar e lá, antes da apresentação, foi batizado como palhaço Vinagre. Ele conta: “Foi bem legal, eu lembro disso até hoje, não vou esquecer. Sou muito grato por eles terem me dado essa oportunidade e até hoje faço apresentações durante as edições do festival.”
Retorno às ruas
São inúmeras as histórias que marcam a trajetória do Circovolante e do Encontro Internacional de Palhaços, por isso, o espetáculo não pode parar. Após dois anos sem a realização do encontro de forma presencial, a 12ª edição vai acontecer entre os próximos dias 13 e 16 de outubro, em pontos espalhados por Mariana e pelo distrito de Passagem, onde são esperados mais de 50 palhaços de todo o Brasil, além de diversas novidades e interação com o público.
Lembram da Jô Alves, uma das participantes do Grupo Stronzo? Sua personagem, a Palhaça Jojoba, será a homenageada nesta edição. Além de presença fundamental na história do Circovolante, a artista é fundadora do “Festival Mundo Jojoba”, projeto voltado para a arte infantil, sendo uma das principais artistas no cenário circense mineiro. Mais informações sobre o Encontro Internacional de Palhaços você encontra nas redes sociais do Circovolante (Facebook e Instagram).
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