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Marcas do tempo: As histórias das Capelas de Santo Antônio e suas Marias

Atualizado: 6 de dez. de 2023

Mobilização, tradição e cuidado com espaços de fé em Paracatu de Baixo e Prainha.


Por Larissa Arruda, Miller Corrêa de Brito e Nathália Paes


Maria Geralda na Capela de Santo Antônio em Paracatu de Baixo durante missa dos 8 anos do rompimento da barragem da Vale/BHP | Foto: Larissa Arruda, 2023.


#ParaTodosVerem: Foto de Maria Geralda, uma mulher preta com cabelos escuros amarrados, usando vestimentas brancas. Ela está lendo um papel, no centro da imagem.  Atrás dela há algumas pessoas acompanhando a missa no interior da igreja de Santo Antônio de Paracatu de Baixo.


Ocupando pontos quase opostos do município de Mariana, as Capelas de Santo Antônio do subdistrito de Paracatu de Baixo e do bairro de Santo Antônio, também conhecido como Prainha, têm mais em comum do que o santo a quem homenageiam. Suas comunidades, em  especial suas lideranças femininas,  mantiveram e cuidaram desses espaços de fé através de adversidades e desafios extremos, muitas vezes sem qualquer auxílio externo. Sua história de resistência remonta a gerações, e começa com o nascimento da primeira cidade de Minas Gerais.


“Como era, no princípio...”


A menos de 1 km do centro de Mariana, cidade onde o passado e o presente se mesclam, está a Capela de Santo Antônio. Localizada logo no início do bairro que leva o mesmo nome, sua posição elevada gera uma sensação de vigília sobre a comunidade, que faz o "em nome do pai" quando passa aos seus pés. Reverência bastante adequada: foi ali naquele morro que, no fim do século XVII, a primeira missa da Primaz de Minas foi realizada. 


Mariana nasceu quando o coronel Salvador Fernandes Furtado e seus bandeirantes, seguindo o curso do Ribeirão do Carmo, encontraram ouro na água. O coronel fundou, então, o que se tornaria a primeira vila de Minas Gerais, e logo ergueu uma capela provisória. Quase um século e dezenas de outras construções religiosas depois, a cidade recebeu o Bispado, consolidando na história a importância do pequeno prédio, hoje conhecido como Capela de Santo Antônio.


Não é a arquidiocese ou a prefeitura da cidade, porém, que assume protagonismo no cotidiano do local. Cuidar da Capela de Santo Antônio é tradição da comunidade. Avós, pais e filhos passam adiante a prática que remonta, ao menos, até o começo do século XX, quando igrejas maiores e consideradas mais relevantes já haviam sido erguidas no centro da cidade. Assim, a influência da fé no bairro é antiga, se revelando nas práticas e até nos nomes dos moradores.





As Três Marias de Santo Antônio


A primeira Maria, conhecida como Dona Ia, tem 65 anos, mas tinha apenas 5 quando se mudou para a casa em frente à capela onde mora até hoje. Com os anos, ela passou a ter a chave da igreja, e ia mesmo durante a noite abrir a porta para quem quisesse rezar. Ela conta também das festas religiosas, que fechavam toda a rua com enfeites e promoviam doações e arrecadações financeiras para a manutenção da capela. As festividades de Santo Antônio e de São João tinham destaque, pois se uniam em uma grande celebração no mês de julho. “As festas aqui eram boas demais, era bom demais. Tinha barraquinha, tinha leilão, tinha tudo aqui. O leilão era pra ajudar a igreja, aí todo mundo dava alguma coisa, dava porquinho, dava cabrito, dava frango. Era bom demais, era chique demais”, disse.


Dona Ia relembra ainda que a conexão da igreja com a comunidade vai muito além. Ela fala que, antigamente, quem tomava conta da capela era Maria da Atividade, a segunda Maria. Ela morava no alto do morro onde hoje é o bairro de Santo Antônio, mas que, na época, era o quilombo de Santo Antônio. Maria foi escravizada e, de acordo com Ia, morreu com mais de 100 anos. “É que Santo Antônio é dos escravos, então eles ficavam com ele lá em cima [no quilombo]”, relata.


Dona Ia em frente à Capela de Santo Antônio, em reforma | Foto: Miller Corrêa de Brito, 2023.


#ParaTodosVerem: Foto de Dona Ia, uma mulher de 65 anos de cabelos curtos e crespos. Ela está parada, no canto inferior esquerdo da foto, em frente à Capela de Santo Antônio que está parcialmente enquadrada. Dona Ia olha para a porta da Capela que se destaca na cena, com sua forte cor azul.


Outra integrante da comunidade cuja vida está entremeada com a capela é Maria das Dores, a terceira Maria. Ela se mudou com a mãe e a avó para a região quando tinha 3 anos, no fim da década de 1950. Ver Maria subindo e descendo a rua até a igreja, seja para pegar leite em pó quando era menina ou com vassouras e baldes quando mulher, há muito se tornou parte do cenário da comunidade. “Eu ia para pegar o leite em pó que eles davam na catequese, e acabei ficando”, conta. 


Há 26 anos, Maria das Dores assumiu o terço rezado na capela, onde fiéis se uniam toda quarta-feira, às 14 horas, para exercer sua fé. Pessoas vinham de toda a região, inclusive de Ouro Preto, para fazer preces e agradecimentos de todo tipo, mas a popularidade maior era dos pedidos por emprego. Maria conta que as preces do tipo sempre funcionavam: “Era a especialidade. Teve uma menina que ficou desempregada e veio rezar com a gente, e não conseguia achar nada, mas trabalhava muito. E veio, e reza, e reza, e reza, e no final das contas conseguiu dois empregos.”


Maria das Dores - de branco, no centro à esquerda, atrás do altar, ao lado de Glaristones (à esquerda), de camisa listrada, na Capela de Santo Antônio na Prainha | Imagem de arquivo via Pedro ‘Glaristones’, Facebook.


#ParaTodosVerem: Foto de arquivo de várias pessoas reunidas ao redor do altar da Capela de Santo Antônio na Prainha. O altar, coberto por um tecido branco, está no centro da imagem, e ao redor dele velas estão acessas.


Maria das Dores fazia também a faxina da capela duas vezes por semana, usando os materiais de limpeza que levava de casa. Seu marido Pedro, mais conhecido como Glaristones, também participava dos cuidados com o local, realizando serviços de manutenção e pequenos consertos nos finais de semana. 


Assim como as três Marias que, na bíblia, estavam ao pé da cruz quando Jesus foi crucificado, as Marias de Santo Antônio estavam junto à capela em seus momentos mais difíceis. São pessoas como elas, membros da comunidade que se tornaram suas guardiãs, que mantiveram a Capela de Santo Antônio ao longo dos séculos. Nos últimos anos, porém, a falta de suporte técnico cobrou seu preço, e a estrutura da capela atingiu uma situação crítica. Foi pela luta dos moradores da comunidade e seu apelo por renovação que, em março de 2022, uma obra de restauração foi iniciada. 



Capela de Santo Antônio na Prainha durante festividade | Imagem de arquivo via Pedro ‘Glaristones’, Facebook.


#ParaTodosVerem: Foto de várias pessoas durante uma festividade em frente à Capela de Santo Antônio na Prainha. As pessoas usam roupas típicas e coloridas e seguram cajados, remetendo ao tempo de Cristo. A capela é toda branca, com uma cruz sobre seu telhado, com duas janelas para sinos de onde bandeiras brancas e amarelas estão penduradas.



“E sobre esta pedra construirei a minha Igreja”


O projeto da obra foi feito pela prefeitura em 2015, e contempla tanto a igreja quanto o largo ao seu redor. De acordo com a Arquidiocese de Mariana, a verba para a reforma foi obtida pelo FDD (Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, órgão do governo federal que cuida da reparação de danos a certas instituição), Ministério da Justiça e recursos da Prefeitura de Mariana e do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico Nacional), por meio do Projeto de Aceleração do Crescimento de Cidades Históricas, o PAC.  


Uma vistoria foi realizada na capela em janeiro de 2014, para o início do projeto. Seu laudo técnico confirma os relatos dos moradores, e revela também que muitos dos danos ao prédio foram ocultados por um processo de caiação (pintura com cal) em 2013, onde as alvenarias externas e trechos do telhado foram cobertos. Antes disso, as duas últimas maiores intervenções que se tem registro ocorreram em 1999 e entre 2005 e 2006.



Imagem do laudo da vistoria realizado pelo Iphan na Capela da Prainha em 2014 

Fonte: Iphan, acesso em out. 2023


#ParaTodosVerem: Imagem de uma folha branca com o primeiro parágrafo das Conclusões Finais do laudo da vistoria realizada na Capela de Santo Antônio da Prainha em 2014. Está destacado o texto: “As únicas medidas de manutenção que vêm sendo realizadas dizem respeito à limpeza contínua do local pela comunidade e pinturas das superfícies externas e internas, realizadas esporadicamente; porém, estas ações são executadas sem orientação técnica adequada”.


Nem mesmo a indisponibilidade temporária da capela durante sua reforma, entretanto, consegue interromper a expressão religiosa da comunidade. Anteriormente, as missas do bairro se dividiam entre a igreja e o Salão Comunitário Cônego José Renato Peixoto Vidigal, no coração do bairro de Santo Antônio, que temporariamente abriga todos os eventos religiosos da comunidade. Lá, é claro o compromisso dos moradores em continuar processando sua fé e coletividade: os encontros são feitos por eles, para eles, e realizados pelo pároco.


A paróquia responsável pela capela é a Nossa Senhora de Assunção, sob o cuidado do pároco Geraldo Dias Buziani. De acordo com ele, antes da reforma os cuidados da igreja eram ligados à comunidade e às famílias que apoiavam o processo religioso, mas necessidades maiores deveriam ser intermediadas pela paróquia. 


Interior da Capela de Santo Antônio da Prainha em reforma | Foto: Miller Corrêa de Brito, 2023.


#ParaTodosVerem: Foto do interior da capela de Santo Antônio da Prainha em reforma, com a entrada e o coro. O chão próximo ao altar tem tapumes no chão, e os fios elétricos na parede estão expostos. Há caixas empilhadas no lado direito da área principal, além de outros materiais de construção. A porta, as escadas e a grade do coro tem a cor azul tradicional da capela.



A Resistência de Paracatu de Baixo


A conexão entre Marias, a Capela de Santo Antônio e os moradores na Prainha não é, porém, um exemplo exclusivo de integração entre lideranças femininas, a população e a fé. No subdistrito de Paracatu de Baixo, a quase 35 quilômetros de distância, a também chamada Capela de Santo Antônio é um símbolo de esperança e resistência para a comunidade. À beira do rio Gualaxo do Norte, afluente do Rio Doce, Paracatu de Baixo foi uma das duas regiões devastadas  pelo rompimento da Barragem de Fundão, em 5 de novembro de 2015.






A história da igreja de Paracatu é parecida com a da Prainha. Já os primeiros registros históricos que têm notícia da capela do subdistrito são do início do século XX. Essa primeira construção foi substituída por outra maior, quando deixou de atender as demandas da comunidade, em razão de não suportar o crescimento da população que a frequentava. Assim, em 1990, um novo prédio foi construído no mesmo lugar.


Imagem de arquivo da capela antiga em Paracatu de Baixo, durante uma das festividades do distrito | Fonte: Portal do Patrimônio Cultural, via Tamara Marques.


#ParaTodosVerem: Foto de arquivo, em preto e branco, de Seu Zezinho segurando uma Cruz de madeira com um tecido amarrado nela, à frente. Ele é seguido por três fileiras compostas por crianças. Ao longe é possível ver a Capela de Santo Antônio de Paracatu.


A Capela de Santo Antônio foi sempre cuidada e mantida pelos moradores de Paracatu de Baixo e Paracatu de Cima, o “subdistrito-irmão” que também fazia uso do espaço. 


Maria Geralda, coordenadora da igreja, eleita cerca de oito anos antes da lama destruir quase a totalidade do subdistrito, é outra Maria que zela por seu espaço de devoção.

Sua família sempre esteve envolvida com a fé: seu pai, conhecido como Seu Zézinho, era o capitão da Folia de Reis, uma das celebrações religiosas tradicionais do distrito. 


O cortejo da Folia ocorre entre os dias 26 de dezembro e 6 de janeiro, e passa pelas comunidades vizinhas de Paracatu de Baixo. Além dele, as Festas do Menino de Jesus, de Nossa Senhora de Fátima e de Santo Antônio estão entre as principais que continuam sendo celebradas no território. A Festa de São José, que unia Paracatu de Cima e de Baixo, a Coroação de Nossa Senhora e a Festa de São Sebastião não ocorrem mais.


Seu Zezinho durante uma das festividades em Paracatu de Baixo | Imagem de arquivo via A Sirene. Créditos: Patrick Arley.


#ParaTodosVerem: Seu Zézinho está à direita, com uma das mãos levantada, enquanto lidera o cortejo. No fundo estão várias pessoas usando camiseta azul da e adereços tradicionais da folia.


Após o rompimento da barragem, o pai e a família de Maria Geralda lutaram para manter as festas e celebrações da comunidade vivas. “Em 2016, foi feita a Festa do Menino Jesus lá em Furquim, porque meu pai não enterrou ela. (...) E eu falei pra ele, ‘Pai, como você vai fazer a Festa do Menino Jesus sendo que tá de lama até no teto da igreja? Não tem estrada, não tem nada.’ E ele falou, ‘Eu dou um jeito’”, conta ela.


Em 2017, quase dois anos após o desastre da Barragem de Fundão, a Festa de Santo Antônio teve que ocorrer na quadra em frente à capela. A lama dentro da igreja a tornava inacessível: “O tamanho do crime que aconteceu não tem explicação. Foi sem dó, sem piedade.”


Quadra da escola em frente à Capela de Santo Antônio em Paracatu de Baixo. As marcas em marrom e o material atrás de mureta são do dia em que o rejeito as atingiu em 05.11.2015 | Foto: Larissa Arruda, 2023


#ParaTodosVerem: Foto das ruínas de uma quadra de esportes em Paracatu de Baixo, com o arco e estrutura de metal enferrujadas e a mureta parcialmente destruída. No chão da quadra, uma camada do rejeito de minério que atingiu o distrito está solidificada. Aos fundos está a escola à qual a quadra pertencia, à esquerda há vegetação, e à frente há uma estrada de acesso.


Mas não eram apenas as festividades que uniam a comunidade. Pouco tempo antes do rompimento da barragem, a população local se juntou com a de Paracatu de Cima para construir um muro ao redor da igreja. De acordo com Maria, um jogo de bingo foi promovido para comprar os materiais do cercado, que teve partes derrubadas pela lama em 2015. “Todo dia juntava um mutirão da comunidade, cada dia uma casa chegava com um lanche, juntava todo mundo aqui. E Paracatu de Cima também, sempre nos deu a mão”, relata.


Em outra ocasião, uma renovação que envolveu a pintura, colocação de cerâmicas, troca de janelas e reforma no banheiro foi feita na capela. Ela foi viabilizada pela doação de um dos membros da comunidade que havia ganhado um prêmio financeiro, e realizada por um mutirão dos moradores. “Nós nunca dependemos nem de Prefeitura nem de empresa nenhuma pra arrumar essa igreja aqui.”, relata Maria Geralda.


A Fé sobre a Lama


Em 2023, oito anos após o rompimento da barragem, a Fundação Renova iniciou a entrega das casas no reassentamento de Paracatu. A nova Capela de Santo Antônio, em construção no local, passa longe da estética tradicional da região, e ainda não tem previsão de entrega. Para Maria Geralda, o certo seria que as festividades que ocorrem em Paracatu de Baixo fossem levadas para o reassentamento, acompanhando a comunidade, mas mantendo viva a igreja do território de origem. A certeza, porém, está apenas na próxima Festa do Menino Jesus: “ou vai começar aqui e terminar lá, ou vai começar lá e terminar aqui”.


Capela de Santo Antônio em construção no reassentamento de 

Paracatu | Foto: Miller Corrêa de Brito, 2023


#ParaTodosVerem: Foto da Capela de Santo Antônio em construção no reassentamento de Paracatu. A capela tem teto triangular, vitral redondo, uma torre lateral para o sino, está cercada por tapumes de metal e tem trabalhadores em volta. À sua frente há uma caçamba, à direita, e dois banheiros químicos, à esquerda.


Luzia também é moradora de Paracatu de Baixo, e assim como Maria Geralda, teve que deixar o distrito após o rompimento da barragem. Ela conta que, na Festa de Santo Antônio, a comunidade toda se reunia em uma série de celebrações: “A novena terminava na sexta, no sábado tinha o levantamento do mastro. Tinha a princesa da bandeira, que trazia a bandeira, e o mordomo do mastro. Era uma festa grande, com muita gente. Quando chegava domingo, tinha a disputa do campeonato de futebol que a gente era a primeira divisão [do campeonato do município], depois era a missa, e depois tinha a procissão. Depois da procissão tinha comida para todo mundo, e depois que se vinha embora pra casa”.


“Agora, isso tudo que eu te contei, A gente não sabe como vai ser no território. (...) Não vai ser mais igual”, relata Luzia. Para ela, além das festividades, outro receio ronda a construção da nova capela no reassentamento. Em Paracatu de Baixo, a comunidade se sentia também  “dona” da Capela de Santo Antônio, se unindo desde a construção dos bancos da igreja até a realização da reforma de 1990. Agora, Luzia conta que a situação é diferente: “[A capela do reassentamento] surgiu de um projeto arquitetônico e lá virou particular. Então o povo não é mais dono daquele lugar. Nós tivemos que brigar muito pra pelo menos ver aquele projeto. Mas a gente não pode alterar nada e tem que engolir. Que lá a gente não tem lugar de hastear o mastro, tem que interditar a rua pra ter missa se não couber todo mundo lá dentro. É uma outra realidade.”


Luzia na Capela de Santo Antônio em Paracatu de Baixo durante missa dos 8 anos do rompimento da barragem, em um domingo, 05.11.2023 | Foto: Nathália Paes, 2023


#ParaTodosVerem: Foto de Luzia sentada dentro da Capela de Santo Antônio, em Paracatu de Baixo, falando com um microfone na mão. Ao fundo está a parede da capela, manchada com o rejeito marrom de minério do rompimento da barragem em 2015.


O Padre Delvair Divino Xavier, pároco da Paróquia de São Caetano, compartilha do sentimento de manutenção do uso da capela original. “A igreja está aí. Faz parte da história deles [os atingidos]. Por mais que a outra igreja seja bela, maravilhosa, é aqui que está a história deles. (...) A Igreja vai apoiá-los naquilo que eles quiserem.”, conta.


Atualmente, a Capela de Santo Antônio de Paracatu de Baixo sofre de problemas estruturais remanescentes do rejeito da barragem e dos oito anos de abandono pela Fundação Renova, poder público e instituições responsáveis. A grande maioria dos moradores do distrito foi realocada, e os órgãos competentes  não demonstraram interesse em sua manutenção. Mas para Maria Geralda, Luzia e muitos dos membros da comunidade, abandonar a igreja não é uma opção. Os atingidos continuam a lutar para ocupar o espaço e recuperar sua memória, apesar dos desafios. “Dessas terras eu não abro mão, mesmo que todo mundo vá embora. Essa igreja, para muitos da nossa comunidade, já tinha sido fechada. Mas eu falei não, porque meu pai sempre falava, ‘Não deixa a lama acabar com as tradições da nossa comunidade’”, relata Maria Geralda.


Rachadura atrás do altar na Capela de Santo Antônio em Paracatu de Baixo | Foto: Larissa Arruda, 2023


#ParaTodosVerem: Foto de uma rachadura numa parede marcada pelo rejeito de minério marrom na Capela de Santo Antônio em Paracatu de Baixo.



“Essa rachadura que tem aqui, eu tenho até medo. O forro chegou a cair, [a Fundação Renova] que arrumou. Foi uma manifestação que a gente fez”, conta Maria Geralda. De acordo com ela, todas as conquistas na manutenção da capela desde 2015 foram fruto de mobilizações dos atingidos: “Se limpassem pelo menos o coro, porque muitas vezes o coral cantava lá. Como que vai subir lá?”


“... Agora e sempre”


Juntas, as Capelas de Santo Antônio de Paracatu de Baixo e do bairro de Santo Antônio contam uma história de resistência e união que atravessa gerações, protagonizada por lideranças femininas, pelas Marias que zelam e zelaram por elas junto às suas comunidades. O passar dos séculos, o descaso dos poderes públicos responsáveis e das instituições, o desgaste causado pelo tempo ou até mesmo cerca de 43 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro não foram capazes de derrubar qualquer um desses espaços de fé. Por muitas décadas sobrevivem e se reinventam cuidados e mantidos por mulheres de fé e de luta.


A obra na Capela de Santo Antônio da Prainha tem previsão de conclusão entre dezembro de 2023 e janeiro de 2024, quando deve voltar a receber eventos religiosos. A esperança do possível retorno do terço ao local é motivo de animação. “Se Deus quiser, né? Se Deus nos der vida e saúde, nós vamos voltar a rezar lá com o povo”, conta Maria das Dores.


Enquanto isso, a luta dos atingidos de Paracatu de Baixo para manter a estrutura da capela continua. Para Luzia, o auxílio para realizar a manutenção parece uma realidade distante, mas essencial: “Vai ser uma briga de foice, faca e tudo, porque ela tá tombada. A gente não sabe o que vai fazer não, mas nós vamos brigar pra virar um museu de território. E nós vamos brigar muito”.


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