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Mestre Paiva: a escultura como transformação

Atualizado: 18 de ago. de 2023

Conheça a arte e história do escultor Mestre Paiva

Mestre Paiva e sua arte | Foto • Leonardo Grein

Danielle Herculano e Leonardo Grein


A arte, como um processo que envolve a imaginação humana, é frequentemente relacionada à produção partindo do zero. Da tela branca ao quadro colorido; do silêncio à melodia; da página vazia à poesia; do estático ao movimento, até chegar na dança.


Mas, assim como criar, ressignificar por meio da técnica ou simplesmente de um olhar diferente também é uma característica enraizada no cerne do ser artista. E assim foi quando José das Mercês Paiva decidiu transformar a tábua de cortar carnes da mãe em uma réplica da Igreja de São Francisco de Assis, de Mariana, Minas Gerais.


Atualmente, Mestre Paiva, como é conhecido, tem 63 anos, e tornou-se um dos escultores mais respeitados do movimento neobarroco mineiro. Em seu ateliê, localizado no Bairro da Chácara, em Mariana, em um pequeno corredor entre a entrada de sua casa e o muro do vizinho, ele esculpe anjos querubins, santos e outras figuras sacras com a agilidade de quem já faz isso há décadas.


Mestre Paiva com uma de suas esculturas na mão | Foto • Leonardo Grein

Talvez, por isso, ele demonstre tanta disposição para uma boa troca de conversas, e diz com orgulho que recebe “curiosos e turistas aqui, que ficam olhando eu trabalhar enquanto conversamos”. Não por acaso, ao longo de nossa entrevista, diversas vezes ele era interrompido por um “e aí, Paiva!”, de alguém que passava pela rua.


Onde a arte acontece


A criação de uma escultura envolve golpes repetitivos e calculados na madeira. Até por isso, quem anda desavisado pelo bairro pode não entender o contraste dos sons do formão sendo martelado contra o cedro e das músicas de Mozart tocando ao fundo, na casa de cor de azul — imponente sobre as cores monótonas da rua.


Seja pela cor da casa, pelo contraste dos sons ou pelo aroma de um incenso suave que se espalha pelo local, o ateliê atrai muitos dos olhares que cruzam a rua. O espaço é simples, mas Mestre Paiva afirma, com orgulho, que assim também era o ateliê do maior nome entre os escultores barrocos e sua maior inspiração. “Você vê hoje vários ateliês cheios de regalias, mas o Aleijadinho trabalhava num espaço simples, e fazia arte de primeira qualidade”, afirma o artista.


Mestre Paiva iniciando uma escultura em uma peça de cedro | Foto • Leonardo Grein

No ateliê, além da bancada de trabalho do artista, é possível encontrar, ainda, troncos de cedro, base das criações de Mestre Paiva, além de obras incompletas. Mesmo assim, a agilidade do escultor dificulta que os espectadores possam apreciar obras terminadas ou em vias de serem finalizadas. “Quando comecei, demorava dias para finalizar um anjo como este”, diz ele enquanto expõe um anjo querubim. “Hoje em dia consigo fazer em cerca de três horas”, comentou.


Um traço marcante do escultor neobarroco são as expressões faciais positivas em suas obras. Não é necessário muito tempo de conversa para entender que essa característica dos seus trabalhos é um reflexo de sua personalidade. Em contraste com as obras clássicas de Aleijadinho, que sempre carregavam expressões pesadas e dramáticas, Paiva traz a alegria de um tempo onde “o artista é valorizado, diferentemente da época do Aleijadinho”, segundo ele.


A pequena caixa de pallet ao lado da entrada do ateliê, com ração e água para animais de rua, também é um bom indício da personalidade do artista, que acariciava seu gato Félix enquanto nos apresentava como “dois novos amigos”.


Escultura quase finalizada de um anjo querubim | Foto • Leonardo Grein

A história de José das Mercês Paiva


O escultor conta que a arte sempre esteve, se não na sua vida, no seu sangue. Segundo ele, seu avô já esculpia na madeira e, assim como muitos dos brasileiros da época — início do século XX — era iletrado. “O meu avô era escultor, ele esculpia mulheres na madeira. Nunca escreveu. Assim como Aleijadinho, não tinha estudo, e a maioria dos artistas daquele período assinava como meu avô: com o dedo”, conta.


Com os dedos, Paiva aponta para a casa onde ele nasceu, que fica perto de sua residência atual, e relembra de sua trajetória pessoal. Ele conta que seu primeiro contato com a arte se deu em um passeio de escola, quando era aluno da Escola Estadual Dom Benevides e uma professora propôs que a turma fizesse desenhos da Igreja de São Pedro dos Clérigos. “Passado uns dias, a professora levantou meu desenho na sala de aula e falou que meu desenho foi o mais bem desenhado e pintado de toda a sala”, afirmou José.


Mestre Paiva com duas de suas obras quase finalizadas | Foto • Leonardo Grein

Foi a primeira vez em que ele sentiu a felicidade de ser artista, mas, após isso, o sentimento ainda permaneceu adormecido por muito tempo antes de José das Mercês tornar-se Mestre Paiva. “Depois desse desenho, tudo ficou adormecido. Ninguém me falou que o desenho era arte, por isso eu incentivo todo mundo agora, se eu vejo uma criança pequena pintando, eu ja incentivo”, conta o artista.


Foi com 24 anos, observando os casarões de Ouro Preto, que José lembrou-se daquele desenho que marcou sua vida. Depois disso, ele voltou para a casa e decidiu fazer um novo desenho, agora da Igreja da Sé, de Mariana.


O surgimento do escultor


Após voltar para casa, sem esquecer deste sentimento, ele desenhou a Igreja da Sé e decidiu “colocar na madeira” logo em seguida, conta ele: “roubei a tábua de minha mãe e escondi embaixo da cama, porque ela era muito brava (risos). Fui ao mercado e pedi uma ferramenta de acertar porta, escolhi uma ferramenta. Aí comecei, corta pra cá, corta para lá e com uma ferramenta eu fiz; com uma semana a Igreja da Sé ficou pronta”.


Nesse período, em meados da metade da década de 80, José estava desempregado e, por isso, passava muito tempo melhorando sua arte e esculpindo os casarões históricos de Ouro Preto. Até que, em certo dia, os talentos de José chegaram ao conhecimento de um escultor que já havia trabalhado com sua mãe em uma fábrica de tecidos.


Trata-se de Hélio Petrus, um dos maiores nomes da arte neobarroca. Segundo José, ele apareceu na porta de sua casa, em uma belina [modelo de carro] azul, pedindo por suas obras. “Eu nem sabia quem ou o que ele era e nem nada”, relembra José. “Ele olhou [para as esculturas] e falou assim para mim: ‘você é escultor’”.


Depois, Hélio convidou Paiva para ser seu ajudante, em seu ateliê. Lá, o jovem José das Mercês pôde aprimorar seus conhecimentos e lapidar seu talento para, assim, encantar a todos que, até hoje, vêem suas obras. E sabendo da importância deste encontro para o seu eu artista, Mestre Paiva diz: “A arte nasce com você, mas você precisa encontrar alguém para te ajudar a se desenvolver”.


Obras não finalizadas, ferramentas e bancada de trabalho do Mestre Paiva. Foto • Leonardo Grein

Paiva, José ou Mestre Paiva: não importa, trata-se de um artista completo. Ele demonstra em cada uma de suas palavras, gestos, e particularidades do seu ateliê um apreço inconfundível pela escultura e por tudo o que ela deu para ele. “Faria de graça, pois eu gosto de fazer”, afirma o artista, que ainda lamenta não ter condições de bancar aprendizes e assistentes para aprenderem o ofício.


Ele, que aos 63 anos pretende viver mais 60, conclui dizendo que: “A cada peça que eu faço, nasce uma nova criação, um novo aprendizado e fico cada vez melhor. Então, se eu viver mil anos, mil anos vou estar melhorando minha escultura, minha arte”.


Mestre Paiva na frente de seu ateliê | Foto • Leonardo Grein






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