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Quatro anos de luta são a marca do coletivo Mães da (R)existência de Mariana

Atualizado: 16 de ago. de 2023

Em 2019, dos braços de Teresa de Jesus, surgia o primeiro coletivo LGBTQIA+ de Mariana

Por Igor Guimarães, Levy Eduardo e Nikolle Gandra

Membros do coletivo Mães da (R)existência, junto de homenageados no fechamento da Semana da Diversidade realizada em Mariana.

Coletivo Mães da (R)esistência realizou o evento Semana da Diversidade que contou com a

participação de integrantes e aliados | Foto • Nikolle Gandra


A frase do grupo é “existir, resistir e não desistir”, e é assim que agem para acolher aqueles que, em uma cidade marcada pelo conservadorismo, se veem oprimidos e marginalizados. O Mães da Resistência, primeiro coletivo LGBTQIA+ de Mariana, foi uma reação de resistência contra o medo e a perseguição de um governo que espalhou mentiras sobre um “kit gay”, censurou pautas sociais em escolas e fez apologia a violência infantil. Teresa de Jesus é mãe de uma mulher lésbica, e foi dessa relação de companheirismo e maternidade que nasceu o projeto.


Para chegar à sede, saindo da Praça Gomes Freire, é preciso andar 20 minutos. O lugar onde acontecem as reuniões é um pequeno apartamento familiar de fachada marrom. Basta subir algumas escadas estreitas para entrar em uma sala onde as paredes abraçam quaisquer que adentrem o espaço. Todo o clima familiar se dá por uma razão: a sede do coletivo é a própria casa da presidenta e cofundadora, Teresa de Jesus.


A casa de Teresa é de extrema importância para quem faz parte do Mães da Resistência, isso porque simboliza um acolhimento materno, que muitas vezes é negado a pessoas LGBTQIA+. A presidenta recebe seus filhos (como ela mesma chama carinhosamente) debaixo de seu teto, oferece abrigo e seu coração.


Retratos da casa de Teresa, atual espaço de reunião do coletivo Mães da (R)esistência | Foto • Nikolle Gandra


Surgimento


Em 2021, Minas Gerais foi o terceiro Estado brasileiro que mais matou pessoas LGBTQIA+. Em um cenário tão triste para o estado, a ação do grupo já se voltava para o papel da família no enfrentamento desse contexto. “O coletivo veio mais buscando as mães, no entanto, são as que mais correm do coletivo. Então, o coletivo veio com essa função, de ser um espaço para todos falarem seus desejos, vontades, opressões”, comenta Teresa. Contando com cerca de dez membros em sua origem, o projeto oferecia espaço para acolhimento da comunidade com atendimento psicológico e jurídico.


Antes de se estruturarem definitivamente, Teresa explica que precisou reunir membro por membro com convites informais. “Eu mesma chegava nas pessoas e convidava. Assim fomos reunindo um por um até conseguir montar a equipe”, explica. Então, Matheus Januário, 25 anos, o vice-presidente, chegou para ser a força jovem e comunicadora de que precisavam.


Teresa, mulher preta mais velha, usando uma camisa branca, segurando a mão de Matheus, um jovem também preto usando um durag na cabeça, ambos sentados e sorrindo na frente de uma bandeira de arco-íris com o nome do coletivo Mães da (R)existência

Teresa e Matheus estão juntos pela sobrevivência do coletivo em Mariana | Foto • Nikolle Gandra


O cofundador e braço direito de Teresa conta que o processo de criação foi repleto de dificuldades. Para iniciar o projeto, foi necessário estudar os processos necessários e receber apoio de advogados para garantir os seus direitos institucionais. Contudo, Matheus também explica que outro desafio foi a própria aceitação social para poderem atingir um público maior. “A maior dificuldade é trazer todos, abranger a todos”, elucida.


Indo além das questões burocráticas, o grupo enfrentou desafios até para conquistar um espaço onde realizar suas reuniões que hoje ocorrem na casa de Teresa. “Tivemos emprestado durante um tempo a Casa Jardim, hoje fechada. Nós já chegamos a fazer reunião no meio da rua. Frente à câmara municipal, nós estávamos nos reunindo ali no meio da rua organizando uma reunião porque não tínhamos para onde ir”.


Outro desafio enfrentado foi a pandemia da COVID-19 que, segundo dados tabulados pelo pesquisador da UFV, Wesley Cota, levou a vida de pelo menos 119 pessoas em Mariana. Entre 2020 e 2021, foram mais de 14 milhões de pessoas no mundo. Em seu surgimento, o projeto realizava palestras mensais em hospitais a respeito de gênero, sexualidade e saúde da pessoa LGBTQIA+, além de outras atividades também recorrentes e reuniões. Mas, com a chegada do vírus, Teresa, que também é auxiliar de enfermagem, teve que paralisar a maioria das ações para atuar com mais força em sua área de origem, que necessitava de urgência pública.


Sentada em seu sofá, na varanda repleta de plantas de sua casa, Teresa explica que durante aquele período fizeram pausas em vários projetos e iniciativas devido às restrições necessárias para o cuidado social. Mesmo assim, ela diz que conseguiram contornar as dificuldades, por meio de reuniões online ou projetos virtuais. Além disso, foi durante a pandemia que também desenvolveram as novas identidades visuais das camisas e bandeiras, carregadas por ela com muita afeição.


Teresa, mulher preta, segurando as mãos, com as unhas pintadas de vermelho. Ela usa uma camisa branca.

Teresa já enfrentou diversos desafios no coletivo e já pensou em desistir, mas prossegue sendo

força e resistência por aqueles que precisam | Foto • Nikolle Gandra


Mesmo com os problemas passados, Teresa tem orgulho de ter realizado esse projeto ao lado de tantas pessoas que, mesmo no “vai e vem” das andanças, tiveram sua participação para manter de pé a ideia. Foi por causa de cada um, que hoje o coletivo carrega conquistas enormes para as minorias de Mariana.


Aliados da causa


Mesmo com sonhos por se realizar, o grupo já conta com a participação de diversas pessoas que são afetadas constantemente pelas ações realizadas. Esse é o caso de Caio Apolinario, que esbanja um sorriso leve e sonha em cursar artes cênicas. O membro conta que conheceu a proposta por meio de Matheus e Teresa e, mesmo possuindo pouco tempo, acha fundamental a atividade no município.


Caio foi um dos homenageados no evento de finalização da semana da diversidade pelas suas ações na luta pelo direito LGBTQIA+ na cidade. Ele nos revela, emocionado, como se sentiu ao participar do evento. “Para mim foi um momento muito importante. Eu me senti honrado! Foi uma homenagem que eu nunca esperei e agora é caminhar junto do coletivo”, comenta. Caio também explica que, por ser uma cidade conservadora, Mariana não apoia a causa de forma necessária.


Caio, homem preto, sorrindo para a foto. Ele usa camisa vermelha e um boné com estampa de onça.

Caio é membro da comunidade LGBTQIA+ da região e sua militância deu frutos em forma de homenagem

ao fim da Semana da Diversidade | Foto • Nikolle Gandra


Outra pessoa que participa ativamente é Adneia Carmo, conhecida como Néia, que trabalhou junto com Teresa na área da saúde. Foi através de um convite da cofundadora que ela conheceu o projeto e, de imediato, aceitou ingressar. Frequentando as reuniões desde muito tempo, Néia explica que, no início, era muito difícil receber apoio e que a ajuda da prefeitura na Semana da Diversidade foi importante. “É de uma importância muito grande ter aqui na nossa cidade, até para dar exemplo a outras cidades do interior aqui perto”, ela comenta, esperançosa.


Aos olhos de Néia, uma das principais barreiras atualmente para que o Mães da (R)existência alcance mais pessoas é a falta da “casa arco-íris”. A ideia vem do próprio pessoal do coletivo e teria o intuito de ser uma referência para essas pessoas, com profissionais treinados para atender suas necessidades com tratamento de saúde física ou psicológica, proporcionando o acolhimento em momentos difíceis que a rejeição familiar provoca em suas realidades.


Além disso, o investimento maior na divulgação e um apoio político e até de empresas privadas no município possibilitaria uma atividade de acolhimento mais efetiva, que poderia inclusive não se limitar a Mariana, mas incluir também municípios próximos.


Néia, mulher preta, sorrindo para a foto. Ela usa uma camisa branca com o nome do coletivo Mães da (R)existência.

Neia sonha que o coletivo atinja pessoas além de Mariana | Foto • Nikolle Gandra


Já para Edgar Barros, professor que participou no debate sobre a importância da educação na luta pelos direitos dos jovens LGBTQIA+ na sociedade, ao fim da Semana da Diversidade, levantar esses assuntos é importante para corrigir os elementos violentos do conservadorismo na cidade.


“Nós não estamos combatendo o conservadorismo ou as pessoas que querem manter algum tipo de tradição, mas chamá-las atenção para certos aspectos desse seu modo de ser, que carrega uma série de violências e que hoje são inclusive tipificadas no nosso código penal”, explica o professor.


Edgar, homem branco, olhando para a câmera e sorrindo. Ele usa uma camisa preta de gola alta.

Edgar trabalha na área da educação na tentativa de promover uma realidade diferente para a vivência LGBTQIA+ | Foto • Nikolle Gandra


As primeiras conquistas


Apesar de Matheus e Teresa não quererem se vincular ao poder público no início, após aconselhamento do advogado, decidiram fazer uma tentativa. Foi aí que surgiu a aliança com o então vereador Cristiano Vilas Boas. “Eu posso postar foto com vocês, eu posso ir nas reuniões suas, mas a gente não vai ter nada protocolado. Vamos protocolar algo", foi o que Matheus ouviu de Cristiano. Assim, em 19 de dezembro de 2019, o Mães da (R)existência conseguiu a criação de uma lei municipal.


Desde 2004, o dia 17 de maio é o Dia Internacional Contra a Homofobia e pauta a resistência e a luta LGBTQIA+. A lei conquistada é uma reafirmação dessa data para o município de Mariana, que reforça essa comemoração anual e discute a pauta para a população da comunidade.

No ano de 2023, para lembrar a data, o Mães da (R)existência conseguiu a realização de uma semana da diversidade. Em conjunto com a Secretaria de Educação e das pessoas do município, foram realizadas visitas em escolas locais, onde o vice-presidente do coletivo realizou uma série de palestras para discentes e docentes pautando o respeito e a luta LGBTQIA+. O evento contou também com uma caminhada que trouxe o assunto para a cidade, além de uma roda de conversa e exibição de filmes sobre o tema.


No evento de fechamento da Semana da Diversidade o público assistiu a uma conversa entre Edgar e Teresa sobre

as pautas LGBTQIA+. Matheus recebeu sua homenagem direto das mãos de Teresa | Foto • Nikolle Gandra


Teresa conta que essa Semana da Diversidade foi um marco, um dos primeiros passos para que atinjam mais pessoas, tanto no município quanto nos distritos, onde é mais difícil de chegar. Sem apoio político e principalmente financeiro, o contato com as pessoas mais distantes é muito limitado, difícil atingir as realidades da comunidade LGBTQIA+ mais distante da casa utilizada pelo projeto. Por isso, contar com a ajuda e a visibilidade de políticos é tão importante e traz possibilidade para mudança, torna a luta menos árdua.


Um exemplo disso aconteceu em 2022, quando o Vereador Ediraldo Ramos, em conjunto com o Mães da (R)existência, conseguiu protocolar uma segunda lei municipal para contribuir na luta pela equidade. A lei coloca uma cota de funcionários transgênero e travestis que deve ser cumprida pelas empresas na cidade, seja no meio público ou privado. Essa medida é de extrema importância para garantir a entrada da comunidade LGBTQIA+ no mercado de trabalho formal, possibilitando uma realidade diferente daquela exposta nas estatísticas nacionais de prostituição, violência e expectativa de vida.


Em junho de 2023, o coletivo comemora quatro anos desde a sua criação. “A gente quer fazer uma festa do orgulho”, Matheus diz. Durante todo o ano, eles já realizam atividades para o público, seja conscientizando sobre o feminicídio, saúde da mulher ou de pessoas LGBTQIA+, sempre aproveitando as datas comemorativas, como o outubro rosa, para dialogar com a comunidade. Em todo esse tempo, entretanto, nunca houve uma celebração voltada para os membros, que é uma vontade que o vice-presidente ressalta para este ano.


Mesmo que seja um evento para o grupo, o intuito também é compartilhar com a cidade, da forma que for possível, seja por meio de sorteios ou criação de produtos, como camisetas. A participação das pessoas da região, que são o foco do projeto, é importante para comemorar a trajetória e também conhecer a iniciativa.


Dirceu, homem preto, em sua homenagem no evento de fechamento da Semana da Diversidade. Ele usa uma camisa de manga longa vermelha e um colete preto, tem suas duas mãos abertas no peito.

As homenagens realizadas no fechamento da Semana da Diversidade trouxeram nomes importantes da

comunidade LGBTQIA+ local, como Dirceu, grande aliado do coletivo| Foto • Nikolle Gandra


Desejos para o futuro

Mesmo com quase quatro anos, muitas metas ainda estão apenas no desejo, por falta de recursos financeiros, apoio da comunidade e político, ou impactos da pandemia da COVID-19. Teresa nos conta que um de seus maiores desejos para o futuro é a criação de uma casa especializada para cuidados e apoio da comunidade LGBTQIA+, da “casa arco-íris”.


Para a realização desse projeto, o Mães da (R)existência conta com o apoio da vice-prefeita de Ouro Preto, Regina Braga. Ela, que também faz parte da comunidade LGBTQIA+, é uma grande força para a ideia e auxilia o grupo sempre que pode, se colocando à disposição mesmo com sua agenda cheia de compromissos políticos na cidade e nos distritos.


Em entrevista, ela conta que Ouro Preto já possui uma delegacia da Mulher, onde o atendimento contra a violência é feito de forma mais eficaz. Além disso, está a caminho um projeto de construção de uma casa também para o acolhimento de mulheres vítimas de violência, que uniria o município de Mariana, além de Itabirito e Ouro Branco que também demonstraram interesse. “Por que não fazermos também, uma casa LGBTQIA+ em consórcio com os municípios da região? Se está dando certo para o abrigo da mulher, pode dar certo também para o caso da questão LGBTQIA+”, conta.


Para o Mães da (R)existência, outro grande objetivo a ser conquistado é atingir as pessoas que estão mais afastadas do Centro Histórico, que moram nos distritos. Entretanto, para alcançar essa meta, é preciso muito apoio, principalmente financeiro. Essas alianças, que poderiam fazer o grupo alcançar muito mais pessoas, são de extrema importância, mas, em uma região tão conservadora e socialmente desigual, não aparecem tanto quanto o desejado. “Se eu fosse talvez da elite e se eu fosse de pele clara, talvez sim, o coletivo teria deslanchado porque teriam patrocinadores junto com a elite atrás”, conta Teresa.



 A parte de cima de um manequim, vestida com um chapéu colorido e uma camisa branca escrito “EXISTO, RESISTO E NÃO DESISTO”. O boneco, que está de costas e com plantas envolta.

Quem passa e olha para a varanda de Teresa, pode ver o boneco que veste a camisa do movimento.

Ele ilustra a casa de Teresa e assiste a rua. | Foto • Nikolle Gandra


O objetivo não se limita somente às pautas LGBTQIA+, vai além disso, é buscar atingir as pessoas da periferia, que carecem não só de tratamento de saúde, mas também de um apoio maior do poder público. Embora o conservadorismo religioso da Região dos Inconfidentes seja uma das principais barreiras que atrapalham a caminhada deste grupo, Teresa acredita que não é o único impedimento.


Hoje, Teresa carrega muito do peso de ser uma mãe para o projeto, para as pessoas que ela acolhe em sua casa. No início ela contava com a ajuda de uma psicóloga, que tinha condições de fornecer apoio profissional para as pessoas LGBTQIA+ que chegavam na casa com relatos de preconceito e pediam ajuda. Durante a pandemia, esse apoio profissional foi perdido, a psicóloga se afastou por razões pessoais da profissional e, desde então, o Mães da (R)existência não tem essa possibilidade. Uma das vontades para o futuro é justamente fornecer esse serviço para as muitas pessoas que precisam.


A comemoração de quatro anos do projeto, então, vem com, principalmente, muitos desejos para o futuro, além da celebração de memórias dessa trajetória. Teresa diz que pensou algumas vezes em desistir, deixar o coletivo e passar para outra pessoa. Mas, com o apoio dos mais jovens, como Matheus, ela teve que continuar. “Não, você é nossa mãe e você vai continuar”.


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